sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A necessidade humana da competência (3)

Texto de Manfred Grellmann – Camaragibe/PE
Publicado no HUMANITAS nº 18 – janeiro/2014

Quando se fala em seriedade neste Brasil a que se pode ver é somente a da cara dos políticos quando anunciam grandiloquentes obras. Depois, não é preciso procurar para encontrar a falta de seriedade.
Recentemente fiz uma viagem ao interior do estado do Rio Grande do Norte e observei algumas cisternas construídas pelo governo para recolher águas das chuvas.
Quis saber detalhes e histórias sobre as mesmas e o dono da propriedade disse que a bomba manual que instalaram, nunca funcionou e também em nenhuma das outras cisternas da região.
Assim, a água precisa ser retirada (muito trabalhosamente) com um balde preso numa corda. Ao ver a sua mulher a se esforçar nessa tarefa, propus fazer o conserto. Percebi que o problema era muito mais sério e como estava sem ferramentas adequadas, decidi trazer a bomba para minha oficina.
Já em casa, desmontei a bomba e vi diante de mim os pedaços do que provavelmente fora fornecido através de algum tipo de arrumadinho, sem consulta a nenhuma instituição técnica sobre qualidade e duração, tudo isso dentro da mais brasileira irresponsabilidade, apenas para gerar lucro para algumas pessoas.
Eis: cidadão abandonado, obra abandonada. É assim que o povo cria  uma cultura. A cultura do “deixa pra lá!” As coisas do governo são sempre assim, não adianta reclamar. Ensino ruim e passividade realimentada sempre. Essa é a realidade do Brasil!
Antigamente (e quando falamos assim, a cultura modernizante logo franze a testa) as placas indicativas dos nomes das ruas eram feitas de ferro esmaltado ou ágata. Claro! Era o recurso disponível na época! Até porque a cultura do desperdício ainda não havia se estabelecido. A moderna tecnologia não consegue superar essas placas antigas. As modernas precisam ser substituídas, sempre. Se não forem, fica do jeito que está. Não há verba disponível e substituir placas indicativas não dá voto aos políticos!
Foi construído  um prédio escolar, na Estrada  de Aldeia, em Camaragibe/PE, onde moro. Em vez de fixarem na fachada do prédio o nome da escola com letras de cimento, cuja duração iria se perder de vista jogaram dinheiro fora construindo uma placa com lona e impressão digital, em cima de uma coluna e estrutura de aço. 
“Durou apenas dois anos!” 
Não há mais nome da escola, só farrapos de lona, lâmpadas penduradas e estrutura de ferro destruída pela ferrugem. Incompetência! Irresponsabilidade!
Certa feita, eu entrei no prédio da SUDENE, aqui no Recife. Pude ver, por todas as dependências em que andei infiltrações, trincas, rachaduras, janelas e portas danificadas, pisos trincados ou descascados, estruturas enferrujadas, pintura destruída e tantos outros indícios favelados.
Foi nesta observação que pude sentir que construir o que quer que seja no Brasil, não importa o preço, é fácil. Muito fácil! O difícil é manter! A construção é somente um custo. Mas a manutenção é um gasto que  dura pelo tempo de vida da obra que, dependendo, irá superar  o da construção.
Na Europa existem catedrais que levaram quinhentos anos para serem construídas. Não importa por quais razões levaram tanto tempo. O destaque desse exemplo é o espírito de continuidade, do compromisso herdado de um espírito dinástico.
Os políticos de hoje (e aí o Brasil é um exemplo) só constroem com projeção em reeleições. O mundo antigo e o moderno são totalmente estranhos entre si, não pela falta de conhecimento e tecnologia, mas sim em termos de valores. A presunção modernista e tecnológica enterra com asco e piadinhas tudo que é antigo.
Esse porre e essa embriaguez tecnológica, modernista e globalista, farão com que velhos costumes e técnicas sejam reinventadas e, se for possível, desenterradas pelas futuras gerações, depois do caos ter destruído tudo o que se construiu até agora.
Apesar de tudo, existem obras bem feitas, e isso não posso deixar de mencionar.  Uma delas são as estações dos nossos metrôs aqui em Pernambuco. Obras caras, mas bem construídas e funcionando. Consegue-se perceber algumas atitudes no Brasil que até surpreendem.
Por exemplo: em João Pessoa, na Paraíba, existe um regulamento de gabarito para todos os prédios a serem erguidos à beira-mar. Não se permite construir prédios de mais de dois andares. Os prédios altos que existem, datam de antes desse regulamento.
Da mesma forma há uma área enorme de mata nativa, cercada e cuidada, quase dentro da cidade. A sanha canibal dos famigerados negócios imobiliários não consegue botar suas garras capitalistas nesse patrimônio. A mídia comum comenta ou usa isso como exemplo? Claro que não!
Dá até para dizer: nem tudo está perdido!

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