quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Doação de órgãos: a vida é por natureza mais do que um ciclo...

Texto de Ana Maria Leandro – Belo Horizonte/MG
Publicado no HUMANITAS nº 16 – Novembro/2013

O importante é que o ser humano não permita que se lhe negue  o direito de contribuir com  a perduração da vida


Às vezes me pergunto, porque o ser humano nasce com tanta dependência externa a ele. E que isto persista várias vezes, muito além da primeira infância. Não acredito que alienados de religiões, quaisquer que sejam assim o permitam porque o queiram, mas sim porque “precisam disto”, como se de algo que lhe sirva de suporte como muletas. A concepção marxista, de que “a religião é o ópio do povo” já possuía em sua origem vários escritos, inclusive de Heinrich Heine, que em 1840, no seu ensaio sobre Ludwig Börne escreveu: “Bendita seja uma religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança”. 
Em 1844 Marx disse: "A crítica da religião é o começo de toda crítica". Na realidade é impossível imaginar qualquer segmento sem críticas, pois são elas as suscitadoras de esclarecimentos necessários à evolução do ser e por consequência da humanidade. Ao entendimento de que a religião possa ser um “ópio espiritual”, já se coloca claro que como qualquer droga, minimize o sofrimento não pela solução de suas razões, mas pela inconsciência dos mesmos. Seria como sugerir a um drogado, que já que não consegue superar seus motivos de infelicidade, melhor mesmo continuar se drogando... E se matando! Suscito a polêmica do pensamento marxista, por efeitos vários que as religiões às vezes causam, nos desvios do ser humano sobre aquilo que ele realmente precise.
Um dos fatores desta discussão é a doação de órgãos. Embora a doação já seja parcialmente admitida em várias religiões é inegável reconhecer que tal rendição não se deu por cessão voluntária das instituições, mas porque o absurdo deste impedimento passou a ser uma negativa de preservação da própria espécie.
Em princípio, a doação de órgãos já é uma realidade, esteja ou não autorizada oficialmente por quem quer que seja, pelo simples ciclo da natureza. Ao enterrarmos um corpo, em sua decomposição ele passa a fazer parte dos insumos da terra. Na sequência, essa terra ressurge em espécies outras, que pela biodiversidade natural, se transformarão em elementos absorvidos pelos seres vivos. 
"Antoine Laurent de Lavoisier (1743 – 1794) afirmou: ..."Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Há 219 anos Lavoisier teve decepada sua cabeça em guilhotina, e o matemático Joseph-Louis Lagrange resumiu o episódio em uma frase: "Não bastará um século para produzir uma cabeça igual à que se fez cair num segundo”. 
Tivesse a ciência então a possibilidade do transplante de cérebro (ainda hoje considerado cientificamente impossível), talvez pudesse o mundo ter se ressarcido daquela perda.
É indiscutível a carência de doação de órgãos no Brasil, embora o assunto aqui já esteja oficialmente regulamentado. Existem diversos “medos” também situacionais: desconhecimento das regras; receio de bloqueio antecipado da vida e mesmo falta de informações sobre como fazê-lo. Entretanto, o próprio doador pode fazer esta opção, informando, principalmente à família, que deseja isso.  Quando ocorre seu falecimento, a família, até para atender ao pedido do doador quando ainda em vida, comunicará à instituição de saúde que tratou do mesmo.
Também existem órgãos que podem ser doados ainda em vida, como por exemplo, o rim, parte do fígado e da medula óssea. Os próprios doadores poderão se inscrever em instituições receptoras para fazer doações e oportunamente serão chamados. Para sanar quaisquer dúvidas ou esclarecer-se sobre os processos, é bom que as pessoas pesquisem, se informem sobre todos os detalhes e conheçam as instituições sérias que tratam do assunto.
O Art. 1º da Lei Federal n° 9.434 de 4 de Fevereiro de 1997 estabelece: “a disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei”. 
O importante é que cada ser humano tenha consciência de seu livre arbítrio na decisão do assunto, e não se permita por alienações de qualquer espécie, que lhe seja negado o direito de contribuir com a perduração ou melhoria de uma qualidade de vida. Na doação do sangue, uma das de maior frequência de necessidades, é que se sofre maior influência de resistência por questões de linha religiosa. Isto é mais ainda que abusivo no direito legítimo da liberdade humana sobre si mesmo. Uma absurda negação de solidariedade e apoio à qualidade de vida do próximo e da preservação da própria espécie.

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