quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Individualismo e morte

Texto de Antônio Carlos Gomes – Médico - Guarujá/SP
publicado no HUMANITAS nº 12 – julho/2013

A ciência mostra hoje grande avanço. A expectativa de vida humana média aumentou fazendo com que a morte ficasse menos presente na sociedade. Mas a não aceitação da morte pelos humanos, processo natural por que passam todos os seres vivos, necessita de análise mais acurada. Com a organização de grupos humanos, a presença de um líder, a quem se atribuía poderes “sobrenaturais” como descendente de um deus, poder mágico, poder de ver o futuro, ou seja, o poder do oráculo, a pequena sociedade que nele se apoiava ficava à mercê de sua vontade em todos os pontos, incluindo a morte, que ele decidia conforme seu entendimento.
Com uma organização maior, a vida ficou na dependência de hierarquias, o pai aceitava ou não o filho. Caso não fosse aceito socialmente era morto ou abandonado, como Édipo ou Moisés, para que morresse.  Portanto, a vida passou a pertencer à sociedade e se estendia a todas as camadas populacionais. Criou-se uma hierarquia de vida. Além da natureza, o governante ou dominador determinava a vida do dominado. Este podia ser morto, mandado para a guerra, vendido como escravo ou mercenário, enfim o que aprouvesse ao senhor. Este, por sua vez, no jogo de poder, vivia entre assassinatos por armas ou envenenamentos. Após a sangrenta Segunda Guerra Mundial, com a descoberta dos antibióticos e os progressos científicos que a guerra propiciou, a medicina começou a ter melhores resultados para a manutenção prolongada da vida.
A sociedade por sua vez começou a ter mais autonomia, não se submetendo a mandatários, bem como as leis para assassinatos ficaram rigorosas, incluindo os praticados pelo próprio Estado. A religião perdeu força e a prepotência passou a fazer parte de cada um. O homem livre de suas mazelas começou a sentir-se ele mesmo imortal e seu deus passou a ser a ciência. Se alguém morreu houve falha, pois a “divindade ciência” não falha. Esta ausência de um controle superior da vida, própria do ser humano e, consequentemente, da parte social provoca desagregação. A sociedade que conhecemos está morrendo. Temos hoje um mundo individual onde a agregação é frágil e restrita a grupos pequenos, isolados e autônomos. O avanço da ciência, o enfraquecimento do poder político e o vazio religioso estão provocando uma desorganização social, onde predomina o individualismo e os laços afetivos tornam-se fracos, quase ausentes. 
Creio que esta fase é transitória para uma nova forma de sociedade, ainda a se formar, uma vez que a ciência anda em saltos e se estabiliza a seguir. Enquanto isso a marginalidade nas populações mais frágeis, o financiamento do crime nos grupos de maior poder e a desagregação familiar se faz sentir e deve se agravar atingindo a sociedade como um todo. Só nos resta aguardar o novo equilíbrio, que espero apareça em breve.

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