sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Líderes providenciais

Texto de Celso Lungaretti – Jornalista – São Paulo/SP
Publicado no HUMANITAS nº 18 – Janeiro/2014 

Nelson Mandela e Mohandas Gandhi foram líderes admiráveis, com trajetórias parecidas, exceto no final. Mais afortunado, o primeiro terminou seus dias como merecia, enquanto o arauto da não violência deparou-se com a besta-fera que ninguém merece encontrar.  Ambos enfrentaram inimigos odiosos, com os quais nenhuma pessoa decente poderia ser tolerante: “o apartheid e o colonialismo”.
Chegaram a trilhar os caminhos da força, mas perceberam que a maior vulnerabilidade dos inimigos era a moral. E souberam tirar máximo proveito disso para alcançar seus objetivos.
Tiveram sensibilidade para perceber o papel que uma grande liderança pode desempenhar na luta, granjeando simpatia para a causa no mundo inteiro. E, favorecidos por suas auras de martírio, incorporaram magnificamente tal figurino, Mandela com características laicas e Gandhi como um homem santo. Vitoriosos, eles concluíram suas obras consolidando os novos governos sem os derramamentos de sangue que pareciam inevitáveis. Com sua coragem e imensa autoridade moral, Gandhi evitou uma guerra entre Índia e Paquistão ao dispor-se a jejuar até a morte se os atos de hostilidade não cessassem.
Com sua incrível intuição política, Mandela utilizou um campeonato de rúgbi para irmanar negros e brancos, estimulando o afloramento de uma consciência nacional em substituição aos rancores raciais.
Muitos gostariam mais se eles tivessem sido, explicitamente, revolucionários. Gandhi nunca pretendeu ser e Mandela priorizou o fim da desigualdade decorrente dos preconceitos raciais, talvez por avaliar que assumir a bandeira maior do fim da exploração do homem pelo homem lhe fecharia demasiadas portas.
De qualquer forma, é pouco provável que, em países tão atrasados como a África do Sul e a Índia, eles pudessem ter ido mais longe do que foram.
Outros destacam que a volta por cima de ambos só se tornou possível porque britânicos e holandeses hesitavam em executar opositores na cadeia, já que suas tradições civilizadas ainda lhes impunham alguns limites. Os estadunidenses, com seu pragmatismo impiedoso e com a desumanidade característica dos fanáticos religiosos aos quais remontam, certamente teriam eliminado o problema no nascedouro.
Mas, dentro do quadro em que atuaram, é indiscutível o mérito de haverem mudado a face dos seus países com muito menos violência do que líderes de outro tipo utilizariam ou provocariam.  Num período tão brutal como o século passado, foram luminosas exceções.

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