quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O poeta anarquista e alcoólatra do século XX


Texto de Rafael Rocha – Jornalista – Recife/PE
publicado no HUMANITAS nº 13 – Agosto/2013

Bukowski não iria caber no universo politicamente correto dos dias de hoje. Sua brutal poesia faz da vida real a matéria para alcançar a verdade 
Charles Bukowski? Quem o conhece? Os jovens da década de 60 e 70 devem ter uma ideia sobre ele. Alguns tomaram ciência da existência deste poeta maldito na década de 80, com o filme Crônica do Amor Louco, baseado em alguns contos publicados originalmente no livro Erections, Ejaculations, Exibitions and General Tales of Ordinary Madness publicado no Brasil em dois volumes: Fabulário geral do delírio cotidiano e Crônica de um amor louco. O filme, dirigido por Marco Ferreri, conta com Ornella Muti no papel de Cass, a protagonista do conto A mulher mais linda da cidade. 
Ainda tem mais. A linguagem desbocada e rude do poeta, onde pontilham palavrões e realidades cruéis do cotidiano foi trazida em livros e pelo cinema até nós, brasileiros. Um exemplo disso é o filme Factotum baseado no romance do mesmo nome. Seus atores são Matt Dillon, Lili Taylor e Marisa Tomei. 
Bukowski impressiona! Seu modo de escrever traz à tona desejos de loucura em muita gente. E sua apologia ao vício da bebida, ao cigarro e às mulheres da vida em vez de banalizar sua obra, a enriquece. O poeta nunca foi um homem de humor fácil. Bebia e escrevia e fumava, escrevia, fumava e bebia. Tudo ao mesmo tempo. Cerveja, principalmente, talvez para esconder sua inata timidez do público e dos fãs.
De acordo com a filosofia bukowskiana, "beber é algo emocional. Faz com que você saia da rotina do dia-a-dia, impede que tudo seja igual. Arranca você pra fora do seu corpo e de sua mente e joga contra a parede. Eu tenho a impressão de que beber é uma forma de suicídio onde você é permitido voltar à vida e começar tudo de novo no dia seguinte. É como se matar e renascer. Acho que eu já vivi cerca de dez ou quinze mil vidas". 
O poeta nasceu em Andernach, Alemanha, no dia 16 de agosto de 1920 e morreu na Califórnia, EUA, em 9 de março de 1994. Sua palavra escrita e falada é totalmente anarquista, além dele ser alcoólatra, antiacadêmico, melodramático e machista, Bukowski não iria caber no universo politicamente correto dos dias de hoje. Porém, sua poesia é realista, revolucionária e, nos extremos de todos os versos, ele faz da vida real e bruta a sua matéria para alcançar a verdade no discurso. 
Tudo muito e muito autobiográfico. Nos seus escritos abundam temas e personagens marginais como prostitutas, sexo, alcoolismo, ressacas, corridas de cavalos, pessoas miseráveis e experiências escatoló­gicas. O poeta/escritor é livre e imediatista ao extremo e na sua obra as preocupações estruturais são esquecidas e ignoradas.
Dotado de um senso de humor ferino e cáustico, a crítica chegou a compará-lo com Henry Miller e Ernest Hemingway. Nos EUA ele é considerado o último “escritor maldito” do século XX. 
O sabor cínico, irônico, etílico dos poemas de Charles Bukowski bem como o grande tom de desilusão e amargura dos mesmos faz com que o poeta permaneça vivo na moldura onde ficam retratados os grandes nomes da literatura universal. Mulheres vadias, rebeldia e boemia era a plataforma que impulsionava sua arte, testemunhando seu mundo com um humor cáustico, onde sangue, sexo, carne humana, cigarros e bebida misturavam-se numa paixão intensa que chegava a beirar o caos. 
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Pregação de Bukowski 

Há bastante deslealdade, ódio, violência, absurdo no ser humano comum para suprir qualquer exército em qualquer dia. E o melhor no assassinato são aqueles que pregam contra ele. E o melhor no ódio são aqueles que pregam amor, e o melhor na guerra, são aqueles que pregam a paz. Aqueles que pregam Deus precisam de Deus, aqueles que pregam paz não têm paz, aqueles que pregam amor não têm amor.

Cuidado com os pregadores, cuidado com os sabedores. Cuidado com aqueles que estão sempre lendo livros. Cuidado com aqueles que detestam pobreza ou que são orgulhosos dela. Cuidado com aqueles que elogiam fácil, porque eles precisam de elogios de volta. Cuidado com aqueles que censuram fácil, eles têm medo daquilo que não conhecem. Cuidado com aqueles que procuram constantes multidões, eles não são nada sozinhos. Cuidado com o homem comum, com a mulher comum, cuidado com o amor deles.

O amor deles é comum, procura o comum, mas há genialidade em seu ódio, há bastante genialidade em seu ódio para matar você, para matar qualquer um. Sem esperar solidão, sem entender solidão eles tentarão destruir qualquer coisa que seja diferente deles mesmos.

Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperavam para morrer. Esperavam para comprar papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas.

A gente tinha de esperar para dormir e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar para comer e esperar para comer de novo.

A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos e começava a pensar se não estava doido também.

Humanidade, bondade, nunca existiu nada disso desde o inicio. 
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FRASES BUKOWSKIANAS 

As pessoas engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Esquecem logo como pensar e deixam que os outros pensem por elas.
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O que pode um poeta sem o sofrimento? O poeta precisa de sofrimento tanto quanto de sua máquina de escrever.
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O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.
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Ser são é fácil, mas para ser bêbado tem que ter talento.

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