quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O trânsito e nossa pobre língua portuguesa

Texto de Manfred Grellmann – Autodidata - Camaragibe – PE
Publicado no HUMANITAS nº 01 – Setembro/2012
Nestes “ensardinhados” momentos de tráfego congestionado em nossas vias urbanas, não há muita coisa para se fazer, além de ficar atento para brechas e tentar controlar o termômetro da paciência debaixo da tampa da panela de pressão nas alturas, que sequer arrefece quando uma “gostosa” passa por perto. Além disso, o ácido no estômago faz seu trabalho para um dia mostrar que o caro plano de saúde nem foi pago à toa.
Pode-se ainda ler placas pelas ruas, xingar os políticos por não construírem novas vias e viadutos, ouvir rádio que ainda vai dizer que esta ou aquela via também está congestionada, pondo abaixo o plano esperto de chegar até tal rua e escapulir. Enfim, ocupar a mente com coisas boas e amenas é quase impossível neste ambiente que mais parece ser área de domínio do satanás.
Para aquelas almas mais tranquilas, mais conformadas ou mais resistentes ao estresse, não falta o que de interessante observar nas redondezas. Coisas como ver escrito bulacha em vez de bolacha ou estufado em vez de estofado, até que não são raras e mais tantas outras pérolas do nosso sofrido idioma. Mas existem algumas que se poderiam chamar de verdadeiras joias.
Há alguns dias em uma das ruas no centro do Recife descobri decalques que me obrigaram a várias releituras para que eu me sentisse seguro sobre aquilo que estava lendo!  Na traseira de um reluzente e bem cuidado automóvel, estava colado um adesivo bem estético: DEUS DOS CÉU, num lado e, no outro: FAÇO O QUE POSSO, DEUS MIM DÁ O QUE MEREÇO. Acho que tal deus anda tão ocupado com a obra “máxima“ dele, o ser humano, que não teve tempo de perceber o que este cordeiro do seu rebanho aprontou!
Fiz questão de ver a cara do motorista. Podia até não ser ele o autor ou então ele se lixasse para o que escreveram já que não teria mesmo letras para tanto. Mas, o infeliz tinha a expressão de bem resolvido e fiel seguidor do Mestre. 
Tenho fé, rezo, dou honestamente 10% para o bispo e estou cuidando do meu lote no além. Eu tenho a verdade e você não! 
Não faltam veículos com frases como: Deus deu para mim ou: foi presente de Deus. Já me esforcei muito para descobrir como fazer uma petição ou onde inscrever-me para ganhar um carro do todo poderoso.
Mas até agora foi em vão. Trabalho e dedicação da minha parte não faltaram até hoje, mas tenho que confessar: conseguir um carro é difícil. E não estão sendo poucos os veículos distribuídos por Deus, que mais e mais, orgulhosamente, desfilam pelas ruas.
Num destes dias, adiantou-se à minha frente um destes felizardos ganhadores, com uma destas perturbadoras frases no para-brisa. Mas fiquei logo decepcionado, pois o carro estava bem lascadinho, enferrujado, pintura bem puída. Mas o adesivo era novo, logo era transação recente!
Mas, o que estava acontecendo? Estoque celestial de novos zerado, falta de tempo e controle de qualidade? Não! Não podia ser! Os pastores dizem que deus é justo! Logo concluí que esta ovelha não devia ter pontuação melhor e, para não afrontar o Mestre, a saída foi se contentar com o que mereceu.
Mas, ainda se vê outras coisas pelas ruas, como por exemplo a famosa frase: Super troca de óleo. Este "super" é no mínimo intrigante. O inocente deve imaginar que além de mudar o óleo do motor, deve vir uma lavagem do mesmo, calibragem de pneus, um cafezinho com água gelada trazida na bandeja e ficar sentado em poltrona no ar-condicionado digo: super troca de óleo!
Bem, a concorrência poderá puxar até para alguns exageros. No entanto, o Zé do Troca, na esquina do bairro de 2ª categoria, me dá a mesma atenção, enquanto espero sentado numa velha e quebrada cadeira. São coisas que não entendo... Mas, como dizem os americanos: não deve ser mais do que peanuts. 
Neuroses que não dá para entender.

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