sexta-feira, 27 de março de 2015

JORNAL HUMANITAS Nº 34 – ABRIL DE 2015 – PÁGINA 8


ESTADO LAICO BRASILEIRO ESTÁ SOB AMEAÇA 
Ivo S. G. Reis - Campo Grande/MS 
Texto extraído de www.irreligiosos.ning.com

A laicidade do Estado Brasileiro volta a ser ameaçada. O Projeto de Emenda Constitucional (PEC 99/2011) de autoria do deputado federal João Campos (PSDB/GO) foi desarquivado.
Esse projeto confere grande poder às organizações religiosas para declarar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) e Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (ADECON) contra leis e decisões judiciais, inclusive junto ao Supremo Tribunal Federal, quando acharem que contrariam os interesses das organizações religiosas.
Se esse projeto de lei for aprovado está aberto o caminho para a criação de um Estado Teocrático em nosso país, acabando de vez com o que chamamos Estado Laico. Mas é exatamente isso que os fundamentalistas cristãos desejam.
Mais: esse projeto PEC fará com que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e as CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil) ou qualquer outro grupo de igrejas organizadas tenham licença para questionar leis contrárias aos seus interesses. Que gente privilegiada!
Assim, questões como legalização do aborto, união homoafetiva ou quaisquer outras que não passem no crivo das igrejas, dificilmente passarão no Congresso Nacional. Inclusive, questões que possam defender os direitos de ateus e minorias podem ser prejudicadas.
O autor da PEC, o deputado federal João Campos (PSDB/GO) é uma figura carimbada, evangélico fundamentalista com alto poder de manipulação política.
Ele é nada mais nada menos do que o presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), integrante da famosa Bancada Evangélica, com grande poder de fogo, por ser a quarta maior bancada suprapartidária do Congresso Nacional.
A chamada e retrógada Frente Parlamentar Evangélica (FPE) faz, no Congresso Nacional, patrulhamento ideológico contra toda e qualquer lei que contrarie os chamados "princípios religiosos". Por meio da obstrução e/ou barganha de votos quase sempre vencem. Eles trabalham na base do "ou dá ou prejudico".
A situação nesta legislatura de 2015 piorou porque o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pertence à bancada evangélica e é o segundo na linha de sucessão presidencial. Isso significa que se a presidente Dilma Rousseff ou o seu vice, Michel Temer, não estiverem no poder, é esse cara que assume.
Vai daí que...
Cabe agora à nação e ao povo brasileiro agir. Nesse contexto só existem dois meios: a lei (teremos de confiar em nossos juízes) e o protesto.
Pela lei, quanto ao direito de igualdade, podemos argumentar que o privilégio é incabível porque favorece uma categoria de pessoas, em detrimento de outras. Por analogia e direito de igualdade, os afrodescendentes, os gays, ateus e agnósticos deveriam ter os mesmos privilégios legais. Ressaltemos, os gays, afrodescendentes, ateus e agnósticos são minorias discriminadas, mas os religiosos não. Os religiosos são maioria.
Que país laico bagunçado é este, sem critérios, sem justiça, sem direito de igualdade? Se o país é laico, por que os irreligiosos não têm os mesmos direitos e não gozam de proteção legal? 
Quanto ao protesto, além de representações legais e manifestações populares de repúdio, poderíamos assinar uma petição pública formulada pela Liga Humanista Secular e que se encontra disponível no site https://www.change.org.
A petição foi atualizada para 2015. Aos que desejarem assinar recomendamos que o façam com urgência. Não sejam coniventes por omissão!

JORNAL HUMANITAS Nº 34 – ABRIL DE 2015 – PÁGINA 7

PROTESTO A FAVOR DO ATRASO E DA BARBÁRIE
Malu Aires - Belo Horizonte/MG
Especial para o Humanitas

A "Marcha Sobre Roma", em 1922, reuniu dezenas de milhares de pessoas. Todas indignadas com o governo e com ódio mortal da esquerda operária que surgia. Forçou a Itália a se entregar ao fascismo de Mussolini (o cara que inspirou Hitler), pregou a repressão em toda a Europa e chamou a II Guerra.
A "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" em 1964, também reuniu milhares pedindo a intervenção militar com cobertura e amplo apoio da grande mídia brasileira.
Qual a herança?
Foram 21 anos de atraso, crise e barbárie. Mais uns 20 anos de desmonte do mesmo grupo que se fingia democrático e que hoje junta gente burra na rua, com escudo da CBF no peito, para forçar a volta dos mesmos entreguistas.
Se o governo cai, a primeira providência da direita é arquivar tudo contra ela. A segunda é limpar o cofre e entrar em recessão sob agiotagem do FMI. Próximo passo: guerra civil.
Porque a gente violenta que atua por trás dessa farsa toda não vai perder a oportunidade de matar uns para manter o caos. Vocês que foram às ruas no dia 15 de março passado sabem disso porque fazem parte de uma massa ignorante e descompassada. São cúmplices da bandidagem que lhes dá gorjetinha da propina deles.
O fingimento de vocês não dura o tempo de trocarem de roupa. É botar o pé na rua e a gente já identifica quem são os ordinários.
Há corrupção no Brasil. Claro que há! E são vocês os responsáveis por ela. Votaram em um cara que tinha envolvimento com drogas, com desvio de verbas públicas, com desmonte da máquina administrativa de um estado brasileiro e ficaram putos porque o meliante perdeu e agora querem colocar o meliante para governar o país através de um golpe.
A hipocrisia de vocês arde nos meus olhos.
É tão democrático marchar contra a democracia, quanto é saudável dar um tiro no próprio peito.
Não acredito em “ingenuidade”. Acredito em ignorância, vaidade e mau-caráter. A TV Globo mente, mas só vai e só entra na dela quem tem MERDA na cabeça.
Digo a vocês que saíram no dia 15 de março uniformizados de CBF para meter mais 7x1 no Brasil:
 VOCÊS FORAM RIDÍCULOS!
Misturaram-se aos porcos e aos podres que este país não merece. Ficaram horrorosos nas fotos e na história.
Quiseram dar uma de figurantes do golpe da TV Globo e desejaram ser vacas de presépio do Mercado Corruptor Golpista, paga-pau de tucano derrotado.
Acabaram socando o pau de selfie no próprio rabo. Saiu na revista Forbes: "Festival do ódio".
Agora mandem fazer um quadro e pendurem na parede da sala de cada um de vocês. Não se irritem se o Brasil não escalou o cinismo para utilizar nos próximos quatro anos. "Mas eu fui protestar contra a corrupção..." Nada disso!
Prestaram um enorme favor à Globo Sonegadora. À toda a mídia brasileira golpista exposta no escândalo do HSBC da Suíça. Gente limpa não marcha com Agripino Maia, com Bolsonaro, com Aécio e com a farta lista de indiciados na Lava-Jato.
Gente honesta e com um pingo de hombridade, não pede intervenção militar depois do histórico tão triste que esse país já teve com a ditadura de 1964/1985.
Gente consciente e lúcida não mistura futebol com política, por falta de bom senso no armário e preguiça de fazer almoço no domingo. A modinha do dia 15 de março de 2015 foi cilada. Quem caiu nela quer ver o próprio país de quatro. A mídia mente, mas só cai na dela quem tem BOSTA na cabeça.

JORNAL HUMANITAS Nº 34 – ABRIL DE 2015 – PÁGINA 6


PORTUGAL COLOCA CRAVOS NAS BAIONETAS DOS MILITARES

Carlos Demócrito A. de Lima - Recife/PE
Especial para o Humanitas

Pouco após a meia-noite de 25 de abril de 1974 começou a soar na principal emissora de Lisboa a música até então proibida "Grândola, Vila Morena". Era o sinal combinado para o início do levante militar em Portugal. 
“Grândola, vila morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade  /// Em cada esquina, um amigo / Em cada rosto, igualdade / Grândola, vila morena / Terra da fraternidade”.
Antes da revolução, era raro em Portugal a família que não tivesse alguém combatendo nas guerras das colônias na África, o serviço militar durava quatro anos, opiniões contra o regime e contra a guerra eram severamente reprimidas pela censura e pela polícia.
Antes de abril de 1974, os partidos e movimentos políticos estavam proibidos, as prisões políticas estavam cheias, os líderes oposicionistas estavam exilados, os sindicatos eram fortemente controlados, a greve era proibida, as demissões jorravam fáceis e a vida cultural era vigiada.
A liberdade em Portugal começou com a transmissão, pelo rádio, de uma música até então proibida.
Os cravos enfiados pela população nas espingardas dos soldados acabaram virando o símbolo da revolução, que encerrou, ao mesmo tempo, 48 anos de ditadura fascista e 13 anos de guerra nas colônias africanas.
Em apenas algumas horas, as Forças Armadas ocuparam locais estratégicos em todo o país. Ao clarear, multidões cercavam as emissoras de rádio à espera de notícias.
A operação pegou de surpresa o regime ditatorial de Oliveira Salazar. Acuado pelo povo e pelos militares, o sucessor de Salazar, Marcelo Caetano, transmitiu sua renúncia por telefone ao líder dos golpistas, general António de Spínola.
Transportado de tanque ao aeroporto de Lisboa, Caetano embarcou para o exílio no Brasil. Em menos de 18 horas foi derrubada a mais antiga ditadura fascista no mundo.
Artistas, políticos e desertores começaram a retornar do exílio. As colônias receberam a independência. Ao voltar do exílio em Paris, Mário Soares, o dissidente mais popular do governo Salazar, foi recebido por milhares de pessoas na estação ferroviária de Lisboa. Cravos vermelhos foram jogados de helicóptero sobre a cidade e só se ouvia a famosa canção Grândola, vila morena, que já havia se tornado o hino da revolução.
Em 1974, Portugal era o último país europeu a manter colônias e vinha travando uma longa guerra contra a independência de Angola, Moçambique e Guiné. O regime de Salazar, iniciado em 1926, havia conseguido manter-se através da repressão e fora tolerado pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial.
A esquerda europeia viu em Lisboa um palco ideal para os movimentos frustrados de 68. A pacata e católica população portuguesa, por seu lado, sentiu-se ignorada e, a partir do norte conservador, iniciou um movimento contra os extremistas.
No ano de 1975 aconteceu a dupla tentativa de golpe, da esquerda e da direita, contra o governo socialista, levando Portugal à beira da guerra civil.
A ala militar extremista de esquerda obteve o domínio da situação em novembro de 1975. Após as eleições do ano seguinte, o general António Ramalho Eanes foi eleito presidente.
O Partido Socialista, com Mário Soares, assumiu um governo minoritário. A crise econômica o levou à renúncia em 1978. Entre 1979 e 1980, o país teve cinco primeiros-ministros.
Em 1985, o governo foi assumido por Aníbal Cavaco Silva e Mário Soares tornou-se presidente no ano seguinte. Em 1986, Portugal ingressou na então Comunidade Econômica Europeia, hoje União Europeia.

JORNAL HUMANITAS Nº 34 – ABRIL DE 2015 – PÁGINA 5

GUERRILHA -  MILAGRE BRASILEIRO - DIRETAS JÁ
(continuação da página 4)

As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no primeiro semestre de 1969, mas já no segundo semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.
Em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político, aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média.
Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio sistemático dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.
A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemático dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando ao genocídio a ocultação de cadáveres.
milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos dos EUA em 1970 (quando aqui entraram tantos dólares quanto nos dez anos anteriores somados), teve vida curta. Em 1974 a maré virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.
As ciências, as artes e o pensamento eram cerceados por meio de censura, perseguições policiais, pressões políticas e econômicas, bem como por atentados e espancamentos praticados pelos grupos paramilitares consentidos pela ditadura.
Corrupção havia tanto quanto agora, mas a imprensa era impedida de noticiar o que acontecia, por exemplo, nos projetos faraônicos como a Transamazônica, a Ferrovia do Aço, a usina de Itaipu e a Paulipetro (muitos dos quais malograram).
A arrogância e a impunidade com que agiam as forças de segurança causaram muitas vítimas inocentes, como o motorista baleado em 1969 apenas por estar passando em alta velocidade diante de um quartel, na madrugada paulistana (o comandante da unidade ainda elogiou o recruta assassino, por ter cumprido fielmente as ordens recebidas!).
Longe de garantirem a segurança da população, os integrantes dos efetivos policiais chegavam até a acumpliciar-se com traficantes, executando seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (esquadrões da morte). O aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus integrantes uma situação privilegiadíssima.
Não só recebiam dos empresários extremistas vultosas recompensas por cada revolucionário preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor com os militantes.
Daí terem resistido de forma encarniçada à disposição do ditador Ernesto Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de Estado, no momento em que ela se tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas (como Vladimir Herzog) e promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala). Chegaram até mesmo a conspirar contra o próprio ditador Ernesto Geisel, tanto que este foi obrigado a destituir o comandante do II Exército e o ministro do Exército.
A ditadura civil militar terminou melancolicamente em 1985, com a economia brasileira marcando passo e os cidadãos cada vez mais avessos ao autoritarismo sufocante. 
Seu último espasmo foi o de frustrar a vontade popular, negando aos brasileiros o direito de elegerem livremente o presidente da República, ao conseguir evitar a aprovação da emenda das diretas já.

JORNAL HUMANITAS Nº 34 – ABRIL DE 2015 – PÁGINA 4


DITADURA DE 1964/1985: SÍNTESE DO FRACASSO

E DA IGNOMÍNIA

Celso Lungaretti – Jornalista-  São Paulo/SP

Ao completarem-se 51 anos da quebra da normalidade institucional no Brasil, mergulhando o país nas trevas e na barbárie durante duas décadas, é oportuno evocarmos o que realmente foi essa ditadura, defendida hoje com tamanha desfaçatez pelos culpados inúteis e com tanta ingenuidade pelos inocentes úteis.
Como a bela canção de Milton Nascimento e Fernando Brant frisou, cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do totalitarismo.
Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; essas foram apenas pretextos, não causa.
Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas é incontestável que a ultradireita vinha há tempos tentando usurpar o poder.
Em novembro de 1955, conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da Guerra, assumiu.
Um dos golpistas presos foi o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência parda  do ditador Geisel.
Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.
Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.
E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart, só voltando atrás diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.
Apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados  grupos dos Onze  brizolistas, inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado "contragolpe preventivo", mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA, dos industriais e empresários civis e pelos militares.
Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.
A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie. 
Com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e do Judiciário poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.

quinta-feira, 26 de março de 2015

JORNAL HUMANITAS Nº 34 – ABRIL DE 2015 – PÁGINA 3

REFÚGIO POÉTICO

Flor da penumbra

Ildásio Tavares – Salvador/BA

(1940-2010)

Orgasmo, flor da penumbra,
na noite sem geografia;
Rompendo a cor do silêncio;
Despertando as horas quietas,

Um desfolhar de soluços
Em transversais de gemidos,
Desabrochando em prazer.
De corola possuída

Suas pétalas abrindo-se
À majestade do amor.

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Campo minado

Sérgio Gerônimo

Rio de Janeiro/RJ


o som deslizou pela pele
cantou três orações em mantra
de uma tecnomissa orgânica

ele estava sendo observado
estranhos corpos desnudos
em movimentos malabaristas
intimidadores desmaios
respiração arqueada
inventei flechas assassinas
atirando em sombras e desvios

houve outro som...
disparei intenções
perseguindo silhuetas e vontades
explodi inseguranças
demarquei limites
ciúmes e invejas

sem tato
rastejando tristezas
por entre armadilhas
e origames falsos
plantei o aviso

meu território é campo minado

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Brincar com afetos
Antonio Carlos Gomes – Guarujá/SP

Brincar com afetos sempre machuca
Por mais que se pense imunizado
É como os pesadelos acordados:
Sensação dolorida que cutuca.

Afeto é uma atração sorrateira
Que bate interna, mas com cuidado
Sempre quer durar uma vida inteira
Jamais admite que possa ser jogado.

Graciosa, quando te finges faceira
Passas. Brincas: No olhar tão marcante
Sinto este ardor. Que força pregnante!
Tal qual brasa avivando a fogueira.

Mas vejo como teu pensar fútil é,
Na verdade, antevejo tua má-fé.

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TRIBUTO A ALICE RUIZ

Alice Ruiz nasceu em Curitiba(PR), em 1946. O contato com a literatura aconteceu logo cedo: aos 9 anos Alice já escrevia contos e, aos 16, versos.
Dez anos depois publicou alguns poemas em jornais e revistas culturais e, aos 34, publicou seu primeiro livro. Conheceu o poeta Paulo Leminski, com quem se casou, em 1968. Do casamento também surgiu outra parceria.
Alice e Leminski integraram o grupo musical “A chave”. Foi nesse período que Alice escreveu sua primeira letra de música, em parceria com o marido.
Alice tem mais de 50 músicas gravadas por parceiros e intérpretes, tendo lançado seu primeiro CD, “Paralelas”, em 2005.
Além disso, a autora já publicou 15 livros, entre poesia, traduções e até história infantil.
Os escritos de Alice lhe renderam vários prêmios, como o Jabuti de Poesia, de 1989, pelo livro “Vice Versos”.
Sempre produzindo, a autora participou dos projetos: Arte Postal, pela Arte Pau Brasil; Poesia em Out-Door, Arte na Rua II; Poesia em Out-Door, 100 anos da Av. Paulista; XVII Bienal, arte em Vídeo Texto.

JORNAL HUMANITAS Nº 34 – ABRIL DE 2015 – PÁGINA 2


EDITORIAL
ESTUPRO DA VERDADE

Quando este mês de abril despontar, alguns setores políticos da direita radical irão, novamente, colocar as unhas de fora, tentando fraudar a História do Brasil. Depois de 51 anos, ainda pretendem criar um novo estelionato, estuprando nossa verdade histórica.
Neste abril de 2015 ainda existe gente a considerar uma maravilha a violência praticada em 1964 contra a democracia, o golpe que derrubou do poder o presidente eleito João Goulart, que dirigia a nação de acordo com a lei e a legalidade.
O que diz a Grande Mídia hoje? A maior parte dela busca incutir na cabeça do povo que a ditadura civil militar que o Brasil viveu entre 1964/1985 apresentou baixos níveis de violência política e institucional.  Mantém essa ladainha para exorcizar da memória popular os crimes praticados sob as ordens dos ditadores militares, Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo, supervisionados pelo empresariado civil e pela águia de rapina ianque.
Esses cafajestes da Grande Mídia, fazem o elogio de um regime de exceção que perseguiu, exilou, prendeu, matou, torturou e mutilou milhares de patriotas entre 1964 e 1985. Não devemos esquecer que, obedecendo aos ditadores fardados, cabeças foram decepadas, corpos jogados no oceano e depois dados como "desaparecidos" e a maior parte de nossa Grande Mídia aplaudia e continua aplaudindo tudo isso.
A soberania popular foi estuprada em abril de 1964 por homens fardados e por civis de triste memória, como Carlos Lacerda, Ademar de Barros, Magalhães Pinto, Roberto Marinho, Antônio Carlos Magalhães e outros.
Desaparecimentos, torturas, mortes, sequestros não possuem ligação com nosso pensamento humanista.  Seguindo esse ideal, estaremos sempre a martelar nos espaços da comunicação para jamais deixar cair no esquecimento essa famigerada época inserida na vida brasileira pelos antipatriotas, militares e civis, apoiados, como sempre acontece, pelo império ianque.
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A MARCHA DOS HIPÓCRITAS
Leandro Fortes – Brasília/DF – Especial para o Humanitas
NAVEGANDO NA CRÔNICA DA POLÍTICA

Primeiro, vamos combinar uma coisa: se você votou em Aécio Neves nas eleições passadas, você não está preocupado com corrupção. Você nem liga para isso, admita.
Aécio usou dinheiro público para construir um aeroporto nas terras da família dele e deu a chave do lugar, um patrimônio estadual, para um tio.
Aécio garantiu o repasse de dinheiro público do estado de Minas Gerais, cerca de 1,2 milhão de reais, a três rádios e a um jornal ligados à família dele. Isso é corrupção.
Então, você que votou em Aécio, pare com essa hipocrisia de que foi às ruas no dia 15 de março passado se manifestar porque não aguenta mais corrupção. É mentira!
Você foi à rua porque, derrotado nas eleições passadas, viu, outra vez, naufragar o modelo de país que 12 anos de governos do PT tornaram melhor.
Você foi para a rua porque, classe média remediada, precisa absorver com volúpia o discurso das classes dominantes e, assim, ser aceito por elas.
Você foi para a rua porque você odeia cotas raciais, e não apenas porque elas modificaram a estrutura de entrada no ensino superior ou no serviço público.
Você odeia as cotas raciais porque elas expõem o seu racismo, esse que você só esconde porque tem medo de ser execrado em público ou nas redes sociais. Ou preso.
Você foi para a rua porque, apesar de viver e comer bem, é um analfabeto político nutrido à base de uma ração de ódio, intolerância e veneno editorial administrada por grupos de comunicação que contam com você para se perpetuar como oligopólios.
Foram esses meios de comunicação, sempre emprenhados de dinheiro público, que encheram a sua alma de veneno, que tocaram você como gado para a rua, com direito a banda de música e selfies com atores e atrizes de corpo sarado e cabecinha miúda.
Não tem nada a ver com corrupção. Admita. Você nunca deu a mínima para corrupção. Você votou no PFL, no DEM, no PP, em Maluf, em ACM, em Maciel, no Mendonça Filho, no Agripino Maia em deputados fisiológicos, em senadores vis, em governadores idem.
Você votou no PSDB a vida toda, mesmo sabendo que Fernando Henrique Cardoso comprou a reeleição para, então, vender o patrimônio do país a preço de banana a investidores estrangeiros. Ainda assim, você foi para a rua bradar contra a corrupção.
E, para isso, você nem ligou de estar, ombro a ombro, com dementes que defendem o golpe militar, a homofobia, o racismo, a violência contra crianças e animais.
Você foi para a rua com fascistas, nazistas e sociopatas das mais diversas cepas. Você se lambuzou com eles porque quis, porque não suporta mais as cotas, as bolsas, a mistura social, os pobres nos aeroportos, os negros nas faculdades, as mulheres de cabeça erguida, os gays como pais naturais.
Você odeia esse mundo laico, plural, democraticamente caótico, onde a gente invisível passou a ser vista – e vista como gente. Você não foi para a rua pedir nada. Você só foi fingir que odeia a corrupção para esconder o óbvio: “de que você foi para a rua porque, no fundo, você só sabe odiar”.

JORNAL HUMANITAS Nº 34 - ABRIL DE 2015 - PRIMEIRA PÁGINA

51 ANOS JÁ SE PASSARAM, MAS O PERVERSO
LEGADO NÃO PODE SER ESQUECIDO

Nas páginas 4 e 5 deste Humanitas, o jornalista Celso Lungaretti faz uma análise sobre os fatos que culminaram com o golpe contra a democracia brasileira no ano de 1964, que mergulhou o país nas trevas e na barbárie durante duas décadas, ou seja, de 1964 até 1985.
De acordo com o jornalista cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do totalitarismo.
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MAIS:
Ivo S. G. Reis disserta sobre a nova ameaça ao
Estado Laico na página 8
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Na página 7, Malu Aires, de Belo Horizonte/MG fala sobre o protesto do dia 15/03

segunda-feira, 2 de março de 2015

HUMANITAS Nº 33 – MARÇO DE 2015 – PÁGINA 8

Recife, uma cidade para poucos
Liana Cirne Lins – Recife/PE

Foram postas em ação no mês de janeiro de 2015 as medidas restritivas de acesso ao Recife Antigo, consolidando uma política de exclusão social assustadora e que pode ter graves repercussões éticas.
Vamos ligar os pontos?
Recife Antigo literalmente ilhado, com revista seletiva (leia-se, revista de negros e pobres) em todas as pontes de acesso. Proibição de comércio informal na área do Marco Zero, sem pipoqueiro, sem raspa-raspa. Transformação de uma área que seria parque público, com vista linda para o rio e o mar, em estacionamento e, ocasionalmente, em área de camarote ou shows privados. Várias tentativas de camarotização do nosso carnaval popular e de rua, felizmente frustradas pela sociedade civil.
Ligando os pontos, o desenho que surge é o de uma cidade com muitas cancelas e interdições.
A escolha do poder público por esse modelo de cidade para poucos, para a elite, é preocupante. Hannah Arendt, em As Origens do Totalitarismo”, nos mostra que a perseguição aos judeus iniciou-se com essas cancelas. O ódio aos judeus começou criando uma ideologia de que os judeus não pertenciam ao mesmo ESPAÇO físico que os alemães.
É exatamente isso que está sendo promovido pelo governo do Recife: uma política higienista que quer convencer a classe média de que os pobres não podem dividir o mesmo espaço que eles.
Os Armazéns do Porto (espaço de lazer e gastronomia muito agradável, bonito e que atende a uma demanda que precisava ser contemplada), no lugar de promover INTERAÇÃO entre os públicos que já frequentavam o Recife Antigo com o público novo, mais rico, que chega agora a partir dessa nova oferta de lazer, está promovendo uma verdadeira cultura discriminatória, segregacionista e de intolerância para com os diferentes.
A mais do que indesejada violência que tem se alojado no bairro, com arrastões e brigas de gangue, poderia ser combatida com o serviço da Central de Inteligência da polícia, prevenindo e reprimindo quem de fato é criminoso, e não rotulando genericamente a população de classe baixa como potencial criminosa. Nem preciso dizer que outros serviços públicos, como assistência social, poderiam enfrentar a raiz do problema e acabar com a violência desde sua origem, pois algo está errado quando jovens veem na violência uma via de escape e de manifestação.
Uma política de segurança pública honesta, que garantisse a segurança e o conforto de TODAS as famílias e grupos sociais que pretendem ocupar o espaço do Recife Antigo, deveria ter outras premissas.
Mas a política de segurança pública escolhida pelo governo é mais um reforço de ideia de que A CIDADE NÃO É PARA TODOS, E SIM PARA POUCOS. Uma política de segurança que serve a um modelo de cidade higienista e racista.
Uma das premissas para entender direito à cidade é compreender que a forma como ocupamos o espaço da cidade é antes de tudo uma escolha ética sobre como vamos lidar com os outros e outras que ocupam conosco esse espaço.
A gentrificação em curso no Recife está sedimentando uma cultura de ódio e terror, em que o medo e o caos são amplificados para justificar excessos e exceções. Está na hora de começarmos a debater essa escolha ética.
Qual é a cidade que queremos?

***


Nota do Editor: gentrificação - fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.