quinta-feira, 21 de abril de 2016

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA OITO

Crônica do boteco pobre
Especial para o Humanitas
Rafael Rocha é escritor, jornalista, poeta e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE

Frequentar botecos é a especialidade de muitas pessoas que buscam abrigo contra as solidões. Não só contra as solidões, mas principalmente para variar o rumo da vida, como eu faço, sentir o encanto da amizade comum e beber... Sim, beber o que for possível beber.
Minha mulher diz que eu só gosto de frequentar “pega-bebuns”. É assim que ela se refere ao que chamamos de botecos pobres. Mas tais “pega-bebuns” ganham de longe dos bares dos ricaços.
Nesses botecos pobres, é patente a sinceridade da raça humana entre os clientes homens e mulheres. Todos discutem e todos têm suas razões nas discussões. Todos cantam as músicas logo que escutam o violão de algum boêmio ou aquelas vindas de algum pequeno rádio. E, ainda que os cantores desafinem e fiquem fora do ritmo, eles são intensamente aplaudidos.
Gosto bastante do boteco pobre autêntico, onde em um repente alguma música de Noel Rosa cantada por Nelson Gonçalves saia pelos quatro cantos e envolva a rua e a calçada.
Nesses botecos pobres, o proletariado anda em alta e seus donos são figuras populares e amigos de todos os frequentadores. Não têm dinheiro? Paga depois! Não seja por isso! Esse é o cartão de crédito desses botecos pobres.
No boteco que eu costumo frequentar desde algum tempo, a dona proletária é Tereza, mas ninguém usa o nome dela para pedir atendimento.
O apelido dessa proletária soa no pequeno boteco tanto na suavidade de uma noite de lua, como em um dia de sol ou de chuva: Kiki, ô Kiki! Mais uma cerveja aqui na mesa!
Eu, como bom intelectual, gosto de ser amigo da dona do bar. Sei que não posso resolver os problemas que assolam o país, mas enquanto não chega outro amigo intelectual para deitarmos falação, vamos todos falar de futebol, minha gente!
Nesse boteco e em qualquer outro que eu possa frequentar sinto-me parte dessa maravilha que é ser brasileiro. E quando a cerveja gelada refresca minha garganta, sinto-me feliz e livre quando todos fazem um brinde à felicidade... Evoé, Baco! Viva a vida!
Botecos pobres, os “pega-bebuns” têm a cara do Brasil muito mais que os bares mais sofisticados.
Nesses, não podemos usufruir de um caldinho de peixe bem condimentado e muito menos de um arrumadinho de carne de sol, ou carne de charque com macaxeira. Nesses bares tudo tem nome afrescalhado como bouillon de crevettes, viande et de la bière, vin et fromage etc e tal.
Eu, por motivos óbvios, gosto de tripa de boi assada, caldinho de peixe, queijo coalho com azeitonas e molho inglês e cerveja estupidamente gelada como acompanhamento.
Botecos, como o da “Kiki”, em Jardim São Paulo, no Recife, Pernambuco, são altamente democráticos. E é neles que a gente exerce o direito de falar mal dos políticos, do governo ou sobre os bons e péssimos times e jogadores de futebol do Brasil e de Pernambuco.
Mas não é tão fácil assim vivenciar um boteco como este que vivencio. Nem todos podem ter a graça de serem escolhidos como fregueses. E todos aqueles que resolverem sentar em algumas das cadeiras e em volta de uma mesa com amigos têm de ter um comportamento de classe, melhor do que aquele comportamento que têm nos bares mais sofisticados.
Educação em primeiro lugar, ainda que esteja caindo de bêbado. O boteco é pobre. Pode ser chamado de “pega-bebum”, mas respeito e educação vêm em primeiro lugar.
Na verdade, a vida é muito mais bem entendida depois de alguns goles de chope e de uma boa conversa entre amigos.
Apesar de muitos inimigos dos botecos pobres acreditarem que as discussões ocorridas nesses locais são improdutivas, de uma coisa todos têm certeza: pelo menos aconteceu uma discussão e as opiniões foram ouvidas.
Se não gostaram ou não aceitaram, a questão é outra. O boteco estará sempre aberto para novos temas. Com cervejas e petiscos. Aproveitem que a vida é curta!

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA SETE

Da verdade absoluta à insignificância histórica

Especial para o Humanitas
Texto extraído de  www.thomasdetoledo.blogspot.com.br
Thomas Henrique de Toledo Stella é professor e  Historiador pela FFLCH/USP. Mora em  São Paulo/SP

Toda realidade é histórica, seja ela material, moral ou espiritual:
O cristianismo tem pouco mais de um milênio e meio. Jesus não era cristão, era judeu, e a religião que o reivindica foi criada alguns séculos depois dele.
Por fatores políticos e de guerra, o cristianismo chegou à dimensão que tem hoje.
Talvez se o Imperador romano Constantino não tivesse se convertido ao cristianismo, a Basílica de Aparecida fosse feita em louvor à deusa Diana ou à deusa Vênus.
Talvez se os espanhóis não tivessem derrotado os mouros na Península Ibérica, hoje o Brasil poderia ser um país islâmico e poucos teriam coragem de beber uma cerveja estupidamente gelada sob a égide da xaria.
Valores morais como a noção de família nuclear patriarcal monogâmica são puramente históricos.
Existiram e existem famílias poligâmicas (homens com várias mulheres), poliândricas (mulheres com vários homens), coletivas (todos se relacionam com todos e os filhos são de toda a tribo), dentre tantas outras.
Para os gregos antigos, homossexualidade masculina e feminina era o padrão social.
Para alguns indianos atuais, as filhas devem se casar antes dos dez anos. Para os esquimós, bons costumes recomendam oferecer a esposa para passar uma noite com os visitantes. Pederastia? Pedofilia? Promiscuidade? Não... apenas valores geográficos e históricos.
O capitalismo não tem mais do que três séculos. Antes dele houve outros sistemas econômicos e depois dele seguirão havendo novos.
Como qualquer outro, possui suas contradições e por isto, crer em sua eternidade não condiz com a experiência histórica.
 Até mesmo porque como no escravismo e no feudalismo, o capitalismo foi incapaz de dar a liberdade e a igualdade prometida sob as guilhotinas da Revolução Francesa.
O capitalismo possui produção social e ao mesmo tempo uma acumulação privada, resultando numa insolúvel contradição original: muitos trabalham e poucos ficam ricos à custa da exploração dos primeiros.
Portanto, muito do que se defende como verdades absolutas não passa de valores históricos datados e circunscritos temporal e espacialmente.
Verdades tão passageiras quanto a existência de um pequeno planeta com alguns bilhões de anos em um universo com alguns trilhões de anos.
Um planeta no qual séculos ou milênios são insignificantes, e no qual uma vida humana longeva de 7 ou 8 décadas é tão curta quanto a de um cogumelo que nasce na aurora e antes do meio-dia já se pulverizou para no dia seguinte dar a vida a novos cogumelos.
Por tudo isso, a arrogância humana não passa de outra insignificância histórica perante a imensidão do cosmos.
Grande não são seres humanos iluminados que criaram religiões, dogmas e doutrinas, ou magníficos pensadores, filósofos ou pesquisadores que descobriram alguma lei científica.
Grande é o Sol, de onde toda a vida se origina e para onde toda vida retorna. Porém, mesmo o Sol é insignificante perante o eterno ciclo de expansão e contração do universo.
Um ciclo de nascimento, vida, morte e renascimento que se reproduz no macro e no microcosmo, e no qual tudo está inserido. Tanto em cima quanto embaixo.

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA SEIS

A necessidade da morte
Arthur Schopenhauer
Especial para o Humanitas

Nascimento e morte são condições da vida. Ambos se equilibram, formando os dois polos, as duas extremidades da existência, e ao seu redor giram todas as suas manifestações.
Um símbolo da mitologia hindu, a mais sábia de todas, dá como atributo a Siva, o Deus da morte e da destruição, um colar de caveiras e o “lingam”, órgão e símbolo da geração, pois o amor é a compensação da morte, e um ao outro se neutralizam.
Para tornar mais evidente o contraste da morte do homem com a vida imortal da natureza, os gregos e os romanos adornavam os seus sarcófagos com baixos relevos figurando danças, caças, lutas entre animais, bacanais e, numa palavra, todos os espetáculos de uma vida mais forte, mais agradável e alegre, e até mesmo sátiros unidos a cabras.
A morte é uma necessidade. A individualidade do homem tem tão pouco valor que nada perde com a morte; há alguma importância nos característicos gerais da humanidade, que são indestrutíveis. 
Se concedessem ao homem uma vida eterna, sentiria tanta repugnância por ela que acabaria desejando a morte, farto da imutabilidade de seu caráter e de seu ilimitado entendimento. 
Se exigíssemos a imortalidade perpetuaríamos um erro porque a individualidade não deveria existir, e o verdadeiro fim da vida é livrar-nos dela.
Se não houvesse penas e trabalhos, acabaria o homem por enfastiar-se, e voltaria a sofrer as dores do mundo em tudo o que se encontrasse ao seu alcance.
Num mundo melhor o homem não se sentiria feliz, o essencial seria fazer com que ele seja o que não é, isto é, transformá-lo completamente.
A morte realiza a principal condição; deixar de ser o que é; tendo isto em conta, concebe-se-lhe a necessidade moral. Ser colocado noutro mundo, e mudar inteiramente de ser, é no fundo uma só e mesma coisa.
Seria conveniente que a morte, que destruiu uma consciência individual, a reanimasse de novo dando-lhe uma vida eterna? Qual o conteúdo, quase invariável desta consciência? Uma torrente de ideias e preocupações mesquinhas, acanhadas, terrenas. Melhor seria deixá-la repousar eternamente.
Contemplando a expressão de suave serenidade refletida no rosto da maioria dos mortos, parece que o fim de toda a atividade da vida seja um consolo para a força que a mantém.
A vida e a morte, o nascer e o morrer, são o maior jogo de dados que conhecemos; ansiosos, interessados, agitados assistimos a cada partida, porque a nossos olhos tudo se resume nisso.
A natureza, pelo contrário, que é sempre sincera e nunca mente, contempla a partida com ar indiferente, não se preocupa com a morte ou a vida do indivíduo, entregando a vida do animal e também a do homem a todos os acasos, não fazendo o mínimo esforço para os salvar.
A natureza mostra que lhe é indiferente a destruição de seus seres, não podendo ser por eles prejudicada, e que em casos semelhantes tão indiferente é o efeito como a causa.
Por isso abandona sem defesa esses organismos, obras de uma arte eterna, à vontade do mais forte, aos caprichos da sorte.
A natureza, mãe soberana e universal de todo o criado, sabe que quando seus filhos sucumbem, voltam ao seu seio, onde os conserva ocultos, expondo-os a mil perigos sem temor algum; a sua morte é para ela um divertimento, um jogo.
A natureza é indiferente no que se relaciona ao homem ou ao animal; não se deixa impressionar conosco durante a vida ou na morte.
Tampouco devíamos nos comover porque fazemos parte dela.
Se considerarmos a vida objetivamente, é duvidoso que ela seja preferível ao nada. Atrever-me-ia até a dizer que se a reflexão e a experiência pudessem fazer um acordo, elevariam a voz em favor do nada.
Se batêssemos nas pedras dos sepulcros e perguntássemos aos mortos se querem ressuscitar, moveriam negativamente a cabeça. É esta a opinião de Sócrates na Apologia de Platão
 O alegre e feliz Voltaire dizia: “Amamos a vida, porém o nada não deixa de ter o seu lado bom”. Em outra parte salientava: “Ignoro o que seja a vida eterna, mas esta é um pesado gracejo”.

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA CINCO

O terrorismo cristão no mundo (Parte 4)
Especial para o Humanitas
Pedro Rodrigues Arcanjo-  Olinda/PE

Semelhança com o atual fundamentalismo islâmico não
é mera coincidência
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No ano de 1483, Tomás de Torquemada é nomeado Grande Inquisidor de Castela. Esse monge dominicano, confessor da rainha Isabel, a católica, faz uma ampla utilização da tortura e da confiscação dos bens das vítimas. Estima-se em 20 mil o número de pessoas queimadas durante o seu mandato.
E a “piedade cristã” continua atuando na Europa. Em 1487, dois monges dominicanos alemães, Jacob Sprenger e Heinrich Institoris publicam o Malleus Malleficarum. Esse trabalho engloba um espesso volume de 400 páginas aprovado pela hierarquia católica e que é simplesmente um guia de caça às bruxas.
Nele se ensina a identificar as bruxas de tal forma que elas não possam fugir do castigo. Por exemplo, se uma mulher acariciar um gato preto e a centenas de metros alguém passar mal, qualquer pessoa pode prendê-la e torturá-la para que ela confesse a bruxaria.
Essa “obra misericordiosa” também afirma que negar a existência da feitiçaria é uma heresia gravíssima, passível de morte na fogueira. Durante dois séculos e meio, na Alemanha, depois da publicação do Malleus Malleficarum, negar a bruxaria podia levar ao braseiro. O manual tornou-se um best-seller na época.

Os reis também seguem a “doutrina cristã de amor e de piedade”. No ano de 1492, os reis católicos da Espanha, Isabel e Fernando, expulsam os judeus. Não sem antes oferecerem uma forma para eles expiarem seus pecados. Os judeus podem escolher se converter, para então poderem ser justiçados pela Inquisição (que queimará grande número deles), ou partir.

Mais de 160 mil judeus fugiram da Espanha. A hierarquia católica não fica indiferente a essa medida e o papa encoraja os outros soberanos europeus a se inspirarem no exemplo espanhol. Em toda a Europa os padres católicos se mobilizam para obrigar os governos a proibir a entrada dos judeus expulsos.

Os judeus que escolheram se converter são perseguidos pela Inquisição. Para descobrir se eles realmente se converteram até o século XVIII far-se-á o “teste da banha de porco”.
Esse teste consistia em oferecer como alimento aos judeus convertidos e seus descendentes uma salada com pedaços de carne e banha de porco. Se eles não comerem, serão queimados como “falsos convertidos”.
Se a expulsão dos judeus da Espanha foi a maior do gênero registrada na História, não foi, porém, a primeira. Na França, os prelados católicos conseguiram, antes da Espanha, a expulsão dos judeus no ano de 1306.
A Inglaterra já tinha procedido à expulsão em 1290. Em 1496, Portugal imita o seu poderoso vizinho, expulsando também os judeus.
Com a descoberta da América, o navegador cristão Cristóvão Colombo captura doze índios e os leva para Espanha.
Ao chegarem em terras espanholas, um dos silvícolas fica doente, mas, antes de morrer ele é batizado. Isso faz com que os reis católicos “vibrem de alegria”, porque um habitante do Novo Mundo acabava de entrar no paraíso cristão.
O maior “auto da fé” que a História registra aconteceu no ano de 1499. Nesse ano, o inquisidor Diego Rodrigues Lucero queima vivos na cidade de Córdova, nada menos que 107 judeus convertidos ao cristianismo.
A Igreja, já no século XVI tinha proibido que mulheres cantassem no coral dos templos, só por serem mulheres. Mas eis o dramático problema que aparece:
Como privar a audição dos “piedosos prelados cristãos” das vozes sopranas tão importantes nos coros para louvar o amor a deus?
Mas a Igreja Católica e seus piedosos bispos são inteligentes e encontram uma solução que é a de “castrar jovens meninos”, cujas vozes sejam belas aos ouvidos.
Assim, nos corais da Santa Igreja Católica não faltarão jamais os sopranos e contraltos.
Esta selvagem prática só terminará no ano de 1878, por ordem do papa Leão XIII. Mas a proibição parece que ficou por isso mesmo, já que ainda no século XIX, Gioachino Antonio Rossini, compositor erudito italiano, quando compôs a Pequena Missa Solene, escreveu, com naturalidade, que serão suficientes para executá-la “um piano e uma dúzia de cantores dos três sexos, homens, mulheres e castrados”.

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA QUATRO

O terrorismo cristão no mundo (Parte 3)
Especial para o Humanitas
Pedro Rodrigues Arcanjo- Olinda/PE

Semelhança com o atual fundamentalismo islâmico não
 é mera coincidência
******

Diversas outras cruzadas mostraram o toque divino de como os cristãos sabem fazer entre eles o que fazem aos infiéis e hereges.

Na 4ª Cruzada, no ano de 1204, Constantinopla era, na época, a maior cidade cristã, mas durante três dias as tropas fizeram um saque sem precedentes, matando e violando os habitantes e promovendo uma orgia repleta de violências inomináveis.

  Já entre os anos de 1208 a 1244 ocorreu a Cruzada dos Albigences criada por iniciativa do papa Inocêncio III.

O duque Simon de Monfort ficou famoso. Ele comandava as tropas que invadiram Beziers (cidade francesa situada no departamento de Hérault, na região de Languedoque-Rossilhão).

Ao saber que muitos hereges estavam misturados com a população cristã da cidade deu a ordem que lhe assegurou a entrada na história: “Matem-nos todos, deus reconhecerá os seus”.

Assim homens, mulheres e crianças foram assassinados. As regiões de Provence e Toulouse ficaram quase despovoadas após essa guerra dirigida pelos cristãos contra a população civil, com uma ferocidade sem precedentes desde as invasões bárbaras. Mas a “piedade” cristã é sempre propagada pela Igreja, pelos seus bispos e pelo papa.

Em 1226, a França coroa um rei católico que ficou sendo considerado na história como de “reputação piedosa”. Luís IX ascende ao trono e termina sendo canonizado em 1290.
No seu reinado ocorrem duas Cruzadas, onde a pilhagem e a matança se tornaram leis para a “misericordiosa” Igreja Católica!
Na França, ainda durante seu reinado, o “santo e piedoso” Luís IX punia os blasfemadores, colocando-os no pelourinho e atravessando suas línguas com ferros em brasa.
No ano de 1231 é fundada a Inquisição ou Santo Ofício, instituição cristã que levou à fogueira mais de um milhão de pessoas entre hereges, judeus e muçulmanos convertidos e também os bruxos.
A Igreja Católica jamais se arrependeu de ter feito tudo isso através da Inquisição. Tanto que a continuidade histórica da instituição alcançou nossos dias, tendo apenas o nome mudado para Santo Ofício pelo papa Pio X, até que no ano de 1965 foi rebatizada como Congregação para a doutrina da fé.
Em 1997, a Igreja Católica abriu os arquivos do Santo Ofício, e os historiadores foram autorizados a pesquisar. O número total de vítimas da Inquisição é então revisto, havendo um consenso, hoje, que “mais de um milhão de pessoas foram executadas”, sem contar os torturados e os que tiveram todos os seus bens tomados pela Igreja em nome do seu “deus de amor”.
A prática da tortura foi autorizada pelo papa Inocêncio IV em 1251. Mas a sutileza cristã permaneceu ativa. A Inquisição não condena nenhum réu à morte. Utiliza a tortura para fazer os hereges confessarem e depois entrega os réus à justiça comum que condena todos à fogueira.
Essa sutileza permitiu que por anos a fio a Igreja Católica afirmasse que nunca matou ninguém.
Entre os anos de 1347 a 1354, a peste negra domina toda a Europa. A Igreja Católica descobriu logo os culpados por essa grande epidemia: “os judeus”. Eles teriam envenenado os poços de água.
Esse boato disseminado pelos prelados cristãos espalhou-se por todo o Velho Continente.
Acontecem então os “pogroms” (ataques violentos a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente, de suas casas, seus negócios e seus centros religiosos).
Apenas na Alemanha, mais de 350 comunidades judias foram totalmente destruídas pelos “pogroms” nesse período.
Na Itália, em Milão, as autoridades civis e eclesiásticas, depois de terem executado milhares de judeus no braseiro, inauguraram uma coluna comemorativa para lembrar esse grande feito cristão.
Essa coluna passou à história no Século XIX, através do romancista italiano Alessandro Manzoni com o seu trabalho “História da Coluna Infame”. O escritor denunciou corajosamente e em primeira mão esse monumento da perversão religiosa cristã.

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA TRÊS

Refúgio Poético

POETA DO MÊS

Rafael Rocha é poeta e jornalista. Natural do Recife/PE, onde vive até hoje. Tem seis livros publicados: Meio a Meio (poesias); A Última Dama da Noite (romance), O Espelho da Alma Janela (contos), Marcos do Tempo (poesia), Olhos Abertos para a Morte (romance), Poetas da Idade Urbana (em parceria com os poetas Genésio Linhares e Valdeci Ferraz)
............................
O exílio do pouso das estrelas
Tereza Tenório – Recife/PE

Trinta e três luas acesas
no tempo do desencontro
Trinta e três vozes amargas
no rastro das diligências
Trinta e três pedras de toque
vazias de toda crença
Trinta e três sorrisos mortos
nos lábios do afogado
Trinta e três sais na moleira

da que ficou sem o amigo
da que ficou sem parelha
da que ficou sem marido
a misturar na poeira
a dor desse amor perdido
...................................
Já faz tempo que escolhi
Thiago de Melo – Barreirinha/AM

A luz que me abriu os olhos
para a dor dos deserdados
e os feridos de injustiça,
não me permite fechá-los
nunca mais, enquanto viva.
Mesmo que de asco ou fadiga
me disponha a não ver mais,
ainda que o medo costure
os meus olhos, já não posso
deixar de ver: a verdade
me tocou, com sua lâmina
de amor, o centro do ser.
Não se trata de escolher
entre cegueira e traição.
Mas entre ver e fazer
de conta que nada vi
ou dizer da dor que vejo
para ajudá-la a ter fim,
já faz tempo que escolhi.
.........................
CARTAS DOS LEITORES

Magnífico o Humanitas! Cléber de Oliveira Machado – Olinda/PE
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Em termos de tratar assuntos polêmicos como religião o Humanitas é mestre. Carlos Semente de Lima e Silva – Salvador/BA
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A verdade tem de ser procurada em todos os setores humanos e é isso que este pequeno grande jornal faz. Parabéns! Letícia Correya – Recife/PE
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Buscar conhecimentos é a base para ser livre. Fornecer conhecimentos para a liberdade isso o Humanitas faz. Maria do Carmo Rodrigues – Recife/PE

HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 – PÁGINA DOIS

EDITORIAL

Terrorismo cristão, a morte e os botecos pobres

Uma publicação humanista que se preze tem de ter uma linha editorial adequada e realista.
Este Humanitas tenta seguir o caminho em busca de conhecimentos e de ligação direta com o ser humano, acatando o lema de que o homem é e sempre será o centro de todas as coisas.
Levamos e buscamos o aprendizado, mergulhando conscientes no hominídeo do qual viemos e somos, e nas suas superstições milenares.
Pelas superstições, o homem inventou um ser divino e fortaleceu uma religião cruel, cujos representantes maiores do deus, utilizaram o terror sobre a mente para ter poder e angariar adeptos.
Conseguiram, sim! Milhões morreram para que a prerrogativa divina de um deus cristão saísse da mentira e se tornasse realidade nos cérebros humanos.
Mortes nas fogueiras, mortes sob o fio das espadas por causa de uma cruz! Muito sangue foi derramado em nome de um deus de amor e piedade para torná-lo imortal na vida terrena do homem.
Essa vida tem a necessidade da morte, como bem diz a filosofia de Arthur Shopenhauer. Já locupletaram como pessimista essa filosofia, mas todos aqueles que buscam conciliar o saber com a cultura sabem o muito que ela tem de verdade.
Sem essa necessidade da morte, sem o terror milenar da ideologia cristã (seja católica ou crente) o homem sabe e reconhece suas limitações.
Já o prazer de viver pode se concentrar em diversos espaços do mundo. Um deles, o espaço dos botecos pobres. Tal espaço consegue irmanar intelectuais e não intelectuais numa festa comum.
 Nesses locais, a vida leva o ser humano a usufruir de sua humanidade, lado a lado com seus iguais, em um congraçamento etílico e musical, como a lembrar que mesmo com a morte e o terror religioso somos animais gregários e sabemos alegrar nosso tempo.
...............................
Aletheia - Texto de Antonio Carlos Gomes – Guarujá/SP (*)

O ser humano, desesperado por alimentos, busca. Busca verdades ocultas sob os véus do próprio desconhecimento. A mesa farta e a penúria andam juntas.
Heidegger e Lacan, seguindo os antigos gregos, destacaram o véu de desconhecimento que cobre a palavra Aletheia: que mais é o homem, este ser de curtíssima vida, apenas efeito de um processo do Planeta, que na efêmera passagem busca alimento e amor?
Este véu se abre e fecha com verdades momentâneas e forjadas que apenas refletem a ânsia de domínio dos objetos que aqui estavam desde o início da Terra e ficarão, modificados ou não, mas sempre objetos, na hora que o ser movente volta a ser um torrão inerte pertencente ao solo.
Na agressão própria do Universo que caminha para o isolamento, destruição e reconstrução, o individualismo espalha a fome e a miséria, sempre repudiada pelos que a provocam e temem. Sempre presente nas multidões que se movem sem Pátria ou território, apátridas no Planeta proibidos de desfrutarem o que o mesmo oferece a todos.
Grandes líderes são destruídos pela ânsia de Midas destes irracionais que querem que tudo se transforme em ouro para uso próprio e que o restante rasteje como escravos para louvarem sua grandeza forjada.
O véu cobre e descobre os seres alucinados que se julgam eternos e que a cada movimento espalham morte e penúria.
Pobre do líder que quer justiça! Os véus primitivos, puramente instintivos de uma animalidade sempre presente e nunca abandonada, farão que os masseteres façam os dentes ranger em uivos de guerra, as garras se mostrarem e a destruição antes coberta por uma frágil rede de poder, se insurgir com destruição para quem tentou reconstruir o bom senso, diminuir a penúria e tentar uma igualdade utópica nesta matilha irracional que se julga culta (tanto é que até usa conceitos que desconhece) e como manada caminha para se jogar no abismo da necessidade.
Assim, a sociedade humana, que queremos racional, volta às savanas que secam e vicejam imutavelmente no ciclo de destruição e volta ao início.
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(*) Antonio Carlos Gomes é médico.


HUMANITAS Nº 47 – MAIO DE 2016 - PRIMEIRA PÁGINA

Tortura e morte em nome de um deus de amor

CHAMADAS

Na página 6 apresentamos
texto do filósofo Arthur Schopenhauer
sobre a necessidade da morte.

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Da verdade absoluta à insignificância histórica é o tema
do artigo do professor Thomas de Toledo Stella
na página 7

ALETHEIA

O médico e colaborador Antonio Carlos Gomes (Guarujá/SP) diz na página 2 que “na agressão própria do Universo que caminha para o isolamento, destruição e reconstrução, o individualismo espalha a fome e a miséria, sempre repudiada pelos que a provocam e temem, sempre presente nas multidões que se movem sem Pátria ou território”.

ERRATA DA EDIÇÃO ANTERIOR

Falha técnica no último parágrafo do Editorial do Humanitas, nº 46, abril de 2016. A parte final diz o seguinte:
Esquece que a mãe-natureza está sempre a evoluir, e que tal ser divino e/ou seus afins é a maior das mentiras inventadas pelo próprio ser humano para usurpar o poder e manipular melhor as pessoas.