segunda-feira, 29 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 8

Democracia é ilusão
Especial para o Humanitas
Rafael Rocha é jornalista, poeta e editor-geral deste Humanitas. Mora no Recife/PE

O que chamamos hoje de democracia nada tem a ver com o sistema criado pelos gregos atenienses no que tange a governo do povo, pois o crescimento populacional criou um obstáculo insuperável para a aplicação desse modelo.
A troca de poder através das revoluções ocorreu porque as populações do planeta começaram a sentirem-se excluídas, devido ao poder autoritário de reis, monarcas e ditadores, que não criavam limites aos seus atos. Esse fato acelerou o processo e inspirou o movimento de troca do poder, gerando revoltas, revoluções e guerras civis.
Dessa maneira, a sociedade humana reivindicou para si o poder de organizar-se e exigiu, de quem detinha o poder (reis, ministros, presidentes etc), mais cuidado ao exercê-lo.
O contrato inicial do que se pode chamar democracia fugiu então do seu propósito inicial que era o de tornar livres os homens que tinham aderido a esse contrato. Assim, as sociedades que se diziam livres criaram o atual modelo democrático, trazendo à tona um sistema que não condiz de maneira alguma com a realidade dos gregos atenienses.
Na Antiga Grécia, particularmente na cidade grega de Atenas, o povo dirigia seus assuntos de forma direta e, quando era preciso, escolhia através de sorteio um grupo destacado de cidadãos para exercer atividade em algum setor ou para representá-lo.
Essa prática enaltecia a igualdade e a possibilidade justa de todos os cidadãos participarem das deliberações governamentais.
Votar e eleger representantes era um recurso utilizado em última instância, e apenas quando havia a necessidade de escolha de uma minoria competente, especializada.
Hoje, diferente do modelo grego/ateniense, a organização estatal é composta de instituições que não têm a participação direta do cidadão. Nesse sentido, vemos que o principal fundamento do governo do povo não é real.
Não existe, ainda que possa mostrar uma roupagem democrática quando da escolha de quem deve exercer o governo.
O que chamamos hoje de democracia é uma ilusão.
Tal como disse o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau a verdade popular não pode ser representada porque não há como se fazer uma democracia que não seja direta.
De acordo com o filósofo, todo e qualquer sistema que não atenda diretamente à vontade do povo não é democrático e não possui validade para impor-se como tal.
Assim, mesmo com todos esses ensinamentos vindos do mestre francês, as revoluções que se lhe seguiram resolveram insistir na utopia de dar ao povo o poder, criando instrumentos e sistemas novos para aplicar o que denominavam de democracia.
Jean-Jacques Rousseau e outros pensadores da época acreditavam que a vontade geral não podia ser representada, pois se assim fosse a democracia acabava com o princípio universal de que a vontade geral só pode ser realidade com a expressão coletiva direta, ou seja, a criação de um sistema de identidade entre eleitor e eleito, podendo os eleitores questionar, sugestionar e impor condutas ao eleito.
Assim, o cidadão, ao fornecer poder a seu representante eleito, expunha seus interesses e posições políticas que deviam ser defendidas por este, sob pena de revogação e perda do mandato.
Na verdade, de acordo com muitos cientistas políticos de hoje, nós saímos da democracia direta para a indireta, chamada de representativa, e agora começam a surgir elementos e movimentos de confronto, como os da democracia direta eletrônica e a democracia participativa.
No contexto realista não existe democracia a não ser aquela exercida diretamente pelo povo.
Portanto, quando são criados sistemas de representação, o que chamamos de democracia torna-se uma ficção apoiada através do voto do cidadão.
Mas a vontade que governa não é a vontade popular. Isso torna o sistema ilegítimo. Pior: uma farsa. O ritual de escolha pode ser democrático, a vontade do povo pode ser democrática, mas o sistema não é.
A certeza é que não vivemos em uma democracia quando abordamos o sentido direto da palavra – governo do povo, pelo povo, para o povo.
Sim, porque o governo pode ser do povo, visto que é o povo que detém a faculdade de escolher quem deve exercer o poder, mas as outras duas afirmações fogem da premissa.
Veja-se que a expressão pelo povo não é real, porque apenas uma parcela exerce o poder, e, ainda mais: a expressão para o povo é ilusória, porque caso não seja o povo que governe, mas apenas uma parcela dele, essa parcela certamente irá governar apenas para si mesma.
E é isso que acontece. É isso que vemos. É essa a realidade que se apresenta hoje aos nossos olhos.

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 7

Soteropolitano
Especial para o Humanitas
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo, Mora em Valença/BA

Baiano de nascimento e coração – até um pouco fanático, ainda que fanatismo seja perigoso, mas no bom sentido ou como força de expressão, imagino que, tudo bem – sempre tive curiosidade em saber por que aqueles nascidos na cidade do Salvador são chamados de soteropolitanos, mas, inexplicavelmente, um preguiça macunaímica – se me permitem o canhestro neologismo – impediam-mo.
Talvez a preguiça tivesse seu epicentro no diabinho que todos temos (acho!) no inconsciente, que estava sempre a dizer-me: Não tens nada com isso. Nasceste em Jequié. És, pois, jequieense. Mas eu sabia que essa era uma informação errada ou equívoca. Nascera, em 1936, no município de Jequié, era verdade. Como também era verdade que aquele meu nascimento dera-se no então distrito de Aiquara, mais precisamente na fazenda Santa Maria, que ficava situada próxima ao povoado de Pulga do Campo.
Se toda essa complicação para se saber onde um cidadão brasileiro/baiano nascera fosse pouco, Aiquara emancipara-se durante a ditadura, época em que criava-se municípios – exclusivamente para dar mando a apadrinhados – cujo destino era viver de uma única arrecadação: aquela que vinha de um fundo federal criado para sustentar municípios que não se sustentavam. Ao dizer isso, não estou denegrindo Aiquara, onde estive anos depois de ter saído de lá, e constatei que continua praticamente a mesma de quando eu tinha dez, doze anos.
Não mudara nada. Pacata, população escassa de boa gente trabalhadora. O mais era marasmo e silêncio, em suas ruas planas, muitas sem calçamento, ou seja, iguais a quando eu era criança. Na época daquela visita, já sabia o significado da palavra Aiquara:
Vinha do tupi – como sói ocorrer com muitos logradouros brasileiros – AI, que significava preguiça, o animal; QUARA, significava buraco, morada, o refúgio da preguiça. Macunaíma poderia ter nascido lá.
Quanto a Jequié, que eu também já sabia o significado, cuja forma correta seria Tikí-é, significava o covo de forma diversa, podia ser ainda uma palavra da língua dos Camacãs (que não eram tupis),Yaquié, para exprimir onça, cachorro, isto na concepção de Sampaio.
Já Falcão afirmava que a palavra se formou pela junção de Jequi (covo) mais  (arrastar), significando covo de arrasto (armadilha de arrasto?) ou rio do covo. Podendo ser, ainda, covo diferente, que não é como os demais.
Tudo isso é dito em uma tentativa de explicar minha resistência em averiguar o significado de soteropolitano, uma vez que era oficialmente jequieense, embora a fazenda onde nascera ficasse no distrito de Aiquara, próxima ao povoado de Pulga do Campo, o que me fazia um cidadão pulgacampense (ou algo similar), mais precisamente nascido em um município que não existia em 1936.
O pior de tudo era que também o minúsculo povoado de Pulga do Campo tampouco existia. Já estava pensando que era um cidadão fantasma – temendo que a terrível, e temível, (com os mais pobres) Receita  Federal, descobrisse essa situação e visse nela dolosas intenções minhas.
Estava vivendo esse crucial dilema, quando, participando de uma reunião da Secção Baiana da União Brasileira dos Escritores (UBE/BA), conheci a brilhante escritora patrícia, Miriam de Sales.   
Uma mulher muito simpática, que fala pelos cotovelos, porém, não cansa porque fala bem e sabe o que fala e do que fala.
Ouvia-a, hipnotizado, como de resto toda a plateia, quando ela disse que sabia o significado de soteropolitano.
Na ocasião, ainda extasiado com a magia da fala de Miriam, senti inibição em perguntar o significado. Justifiquei, em pensamento, que não o sabia por pura preguiça (afinal estava relacionado com aquele tipo de animal e de sua casa), porque soteropolitano só podia vir do grego ou do latim – disse-me.
Voltei para Valença, onde moro, magnetizado com o feitiço de Miriam e com o bendito soteropolitano na cabeça.
O tempo passou e em 29/6/2011, dia de São Pedro e das Viúvas, como realçava Miriam em seu livro A Bahia de Outrora, tomei coragem e perguntei diretamente.
E ela, que é adepta da Internet, passou-me algo que chamo gancho (mas ela chama link: http://abahiadeoutrora.blogspot.com/2010/07/ficha-tecnica-do-livro.html), onde li o que se segue:
Nós baianos somos xingados de soteropolitanos como dizia o irreverente Jorge Amado. E, muitos baianos desconhecem porque somos chamados assim.
Graças à bibliotecária Genilda, da ABL, Academia Baiana de Letras, estudiosa das coisas da Bahia, descobrimos.
Soteropolitano vem de SOTERO: Salvador; POLI: Cidade; TANO: Natural. Entendeu? Natural da cidade do Salvador, com muito orgulho.
Como nós, baianos, somos ‘diferentes’ e reverenciamos a cultura clássica, nosso gentílico tinha que vir do grego, pois Soterópolis é Cidade do Salvador, nesta língua.
Soterópolis era uma cidade grega, erigida em honra de Sotero, imperador, cuja palavra, em grego, significa Salvador.

domingo, 28 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 6

Depois do narcotráfico religião é o 
negócio mais lucrativo no Brasil

Texto extraído de www.midiapopular.net
Colaboração de Juarez Pedrossiano Goitá – Fortaleza/CE

Em um país onde só 8% da população declaram não seguir uma religião, os templos dos mais variados cultos registraram uma arrecadação bilionária nos últimos anos.
Apenas em 2011, arrecadaram R$ 20,6 bilhões, valor superior ao orçamento de 15 dos 24 ministérios da Esplanada - ou 90% do disponível nesse ano para o Bolsa Família.
A soma (que inclui igrejas católicas, evangélicas e demais) foi obtida pela Folha de SP junto à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação.
Ela equivale a metade do Orçamento da cidade de São Paulo e fica próxima da receita líquida de uma empresa como a TIM.
A maior parte da arrecadação tem como origem a fé dos brasileiros: R$ 39,1 milhões foram entregues diariamente às igrejas, totalizando R$ 14,2 bilhões no ano.
Além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis (dos quais R$ 3,47 bilhões por dízimo e R$ 10,8 bilhões por doações aleatórias), também estão entre as fontes de receita, por exemplo, a venda de bens e serviços (R$ 3 bilhões) e os rendimentos com ações e aplicações (R$ 460 milhões).
A igreja não é uma empresa, que vende produtos para adquirir recursos. Vive sobretudo da doação espontânea, que decorre da consciência do cristão, diz dom Raymundo Damasceno, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Entre 2006 e 2011 (último dado disponível), a arrecadação anual dos templos apresentou um crescimento real de 11,9%, segundo informações declaradas à Receita e corrigidas pela inflação.
A tendência de alta foi interrompida apenas em 2009, quando, na esteira da crise financeira internacional, a economia brasileira encolheu 0,3% e a entrega de doações pesou no bolso dos fiéis. Mas, desde então, a trajetória de crescimento foi retomada.
Depois do narcotráfico, a igreja é o negócio mais lucrativo.
É protegida declarada dos governos (Constituição).  Não tem imposto de renda descontado. Não é questionada quanto aos malefícios que causa. O governo saca do povo pelo menos 27,5% em imposto de renda + 35% em outros impostos e taxas. Finge que trabalha e o povo acredita. A igreja recebe o povo chorando e clamando. O povo é o negócio da igreja e do estado.

sábado, 27 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 5

Independência e vida
Especial para o Humanitas

Ana Maria Leandro - uma das principais colaboradoras do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua
em Belo Horizonte/MG

Conta a história, que em 7 de setembro de 1822, um rei enfurecido com abusos (interessante, reis ficam mais enfurecidos com abusos que outros lideres) tirou da cinta a espada e gritou: Independência ou Morte. Ocorre que independência não se faz num grito, nem se troca pela morte.
A morte é o fim e é preciso buscar a independência em vida.
E mais, independência não se obtém como um troféu que se guarda para mostrar.
Não! Independência é conquista diária e uma conquista de quase dois séculos atrás, não é troféu de hoje, a não ser que tivesse mostras de que a estamos gozando plenamente.
Este nosso Brasil, exibe hoje um ufanismo contrário à sua realidade atual, por um evento ocorrido há séculos.
Competência exibicionista é o que não nos falta. Temos fama mundial dos melhores artistas e compositores, que conseguem fazer até da nossa miséria hinos de louvores.
Até os nossos defeitos são cantados em versos e provas. Dizem que este é um dos dons brasileiros.
Escuto, por exemplo, na impecável música de Ary Barroso o verso meu mulato inzoneiro / vou cantar-te nos meus versos...
Não sei por que, me dói (me incomoda sentir que há uma ponta de orgulho numa metáfora de que sabemos levar a melhor na manha)? Pois inzoneiro no dicionário da Língua Portuguesa significa: afetado, enredador, intrigante, mexeriqueiro e sonso.
Este sonso foi ótimo, mas ao pé da letra parece um assumir de que somos espertinhos sonsos. Sei não; creio que temos levado a pior nesta sonseira.
Entretanto, a capacidade artística talvez tenha sido a forma de nos ajustarmos à nossa carência humana. Não há como negar, a música é linda, o autor acertou no alvo na sua análise da expressão caricatural de nossa gente e de forma amorosa. Coisa mesmo de grande poeta.
Então falávamos de independência. A liberdade de expressar a criatividade em nossos artistas é inegável, um viés de independência, embora tenham tentado podar isto na ditadura. Mas poesia e criatividade são iguais a uma planta, não adianta podá-la que volta mais forte.
Bem que podíamos usar tanta criatividade no que mais precisamos: equilíbrio social. Pois, sinceramente, acho que nossos abismos sociais não são nada comemoráveis.
Talvez daí temos que usar de extrema tecnologia e criatividade, para mostramos aos estrangeiros como somos felizes, na nossa miséria. Por que não realizamos uma Olimpíada da Educação? Sei que existem arremedos, como a Olimpíada da Matemática
Mas convenhamos, não com o espetáculo da abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro.
A gente podia imitar a ideia e promover o desfile de alunos e professores, que receberiam honra ao mérito por seus resultados brilhantes. Isto com todo o aparato cênico de 5 de Agosto passado. Aí me dirão: não daria Ibope, e além do mais, Esporte é Educação. É verdade, mas não pode ser apenas esta seção da Educação que dê Ibope, se queremos ser independentes.
Pelo menos nós, simples brasileiros, queremos. Porque para uns outros das elites pouco importa. Se o Brasil não é independente e tem economia pobre, resolvem o assunto mandando o meu e o seu dinheiro, para um país de primeiro mundo independente e sólido.
A Justiça diz que não pode, mas ele dá uma de sonso e diz que não tem dinheiro no estrangeiro e sim truste. Além do mais, uma Olimpíada de todas as escolas (públicas e privadas), acho que não daria mesmo certo.
Existem escolas públicas em que os alunos não recebem merenda, pois essas foram roubadas pelos líderes políticos da região. Com fome, o teto da escola caindo, assentados em caixotes, porque as cadeiras foram roubadas, ou quebradas, obter méritos de resultados como?!
Corre-se ainda o risco da professorinha não conseguir chegar até a casinha feita escola pois, claro, não tem carro, não conseguiu carona de caminhoneiro, salário não dá para pagar ônibus, e com chuva a estrada esburacada dificulta a travessia.
Quem achar que estou exagerando, vá conhecer os grotões das áreas longínquas das capitais e verá isto de perto.
Apesar de tudo vou comemorar o fato histórico do Grito da Independência.
Faça-me o favor, posso ser um pouco sonsa, mas nem tanto! Gostaria de pelo menos ouvir algum eco...

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 4

As obras de deus
Jorge Oliveira de Almeida - Rio de Janeiro/RJ

Deus descansou, descansou e descansou. Claro, estava no seu direito. Ele, que tudo sabe e tudo vê, e que não tinha que dar satisfações a ninguém porque era único, assim ficou: paradão a eternidade inteira, até o dia em que de saco cheio por não fazer nada resolveu criar alguma coisa para se divertir.
Começou por criar o planeta Terra. Bastou um estalar de dedos e zás! A Terra foi criada. A seguir criou o resto do Universo, mas teve o grande cuidado de situar a Terra não só no centro do sistema solar, mas também no centro do Universo. Claro que ele podia fazer como bem quisesse, mas considerando que deveria fazer o melhor possível, assim o fez.
Muito tempo depois apareceram uns caras querendo contestar suas obras. Onde já se viu tamanho desplante? Deus então viu-se na obrigação de dar-lhes uma mostra de seu poder e imediatamente determinou que seus asseclas mandassem-nos todos para a fogueira.
Foi uma poluição geral! Todo dia havia churrasquinho de gente, com aquele cheirinho característico de carne assada. E a fumaça? Naquela época, aqueles que ainda conseguiam permanecer vivos, deviam ter muita dificuldade para dormir, devido à quantidade de fumaça no ambiente!
Voltando para onde estávamos, o Homem ainda não havia sido criado e era preciso fazê-lo! Nada mais simples para quem não precisava deparar-se com dificuldades que seriam comuns a qualquer mortal para fazer o que quisesse. Então juntou um pouquinho de barro e zapt! Eis o Homem criado!
Entretanto, seria necessário criar também a mulher, porque Deus estava ciente que sozinho não poderia criar tantos bonequinhos para diverti-lo. Já imaginaram, cada vez que ele julgasse necessário criar mais um habitante, ele é que teria que fazê-lo? Não haveria tanto espermatozóide divino assim disponível (ou melhor, tanto barro!).
Então, com sua sábia justeza e sabedoria, tirou uma costela do Adão (aquele homem que ele criou) e, num passe de mágica, criou também a mulher! Agora poderia descansar satisfeito. 
Os homens e as mulheres foram ao longo dos tempos fazendo aquilo que fazem todos os animais, até que um dia ele se questionou: por que não ter um filho, não feito de barro, mas de minha própria carne e à minha imagem e semelhança? 
Não deveria ser tão difícil. Bastaria agitar a sua varinha de condão. Mas ele quis ser mais sofisticado. Assim, resolveu deixar a sua marca registrada. Sabedor da vida de todos os seres da Terra determinou que Maria, uma pobre trabalhadora rural, analfabeta, que vivia lá no Oriente Médio com os seus boizinhos, com os seus cabritinhos e com os seus burrinhos (e havia muitos!) e que era casada com um cara que não gostava muito da fruta, seria a escolhida para aquela relação inusitada entre um ser humano e uma divindade. Mas se ela nunca havia comido um peru (porque só havia as festas saturninas e ainda não existia o Natal), como cativá-la para prová-lo? Na mente divina tudo é fácil de resolver: se travestiu o Divino na forma de um pombo (e olha que era um baita pombo!) para seduzir a jovem moçoila. 
Assim como quem dá um tiro dá dois e três, certamente o tal pombo deve lá ter voltado muitas outras vezes à casa da Maria, agora que a porteira estava aberta! O disse-me-disse levou os vizinhos do Zé (esse era o nome do chifrudo) a agredi-lo com insinuações e palavras maldosas, mas ele não se sentia prejudicado porque já fora avisado por asseclas do pombo-correio que a sua mulher (aquela que ele não queria comer) teria um filho divino! Até ficava orgulhoso disso.
Todos riam dessa situação, mas ele, como corno manso, não se preocupava com os mal-dizeres. Como não poderia deixar de acontecer, um dia nasceu o fruto daquela união: Jesus Cristinho veio ao mundo!
Acontece que a partir daí aqueles que caçoavam passaram a ficar em dúvida quanto à não santidade do cara, pois nunca se vira até então tantos milagres acontecerem! Era um atrás do outro! Todos aqueles truques que os mágicos fazem hoje ele já os fazia desde pequenino: transformar água em vinho, multiplicar os pães...
Chegou até a ressuscitar os mortos. Naturalmente aqueles que lhe convinham.
O tempo passou e os milagres foram rareando. Mas, pudera! Deus resolvera descansar e assim deu uma banana para todos os que se multiplicaram na Terra. Foi-se o tempo dos festivais de milagres.
Agora é preciso trabalhar, suar e estudar bastante para ser alguma coisa na vida. Agora a Humanidade deixou de ser um objeto de lazer e de prazer para o Divino e os seres humanos passaram a lutar pelas suas vidas. Não estão mais esperando que os pães se multipliquem. Eles mesmos fabricam os seus pães!

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 3

REFÚGIO POÉTICO

Poeta do mês – Ivy Gomide
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Deus humano
Bastos Tigre (1882-1957)

Assusta-me este Deus de barba imensa,
Pai severo e tirano à moda antiga,
Que com o fogo do inferno os maus castiga
Porém, na terra, os bons não recompensa.

Este Deus que a adorá-lo nos obriga,
Mas que só ama a quem o adula e incensa
Nunca há de ser o Deus da minha crença
Que eu venere e entre cânticos bendiga.

O Jeová que no Antigo Testamento
Os profetas nos pintam, truculento,
É um velho Deus, motivo de pavor.

Moço é o meu Deus, de eterna juventude:
Perdoa. Todo o mal muda em virtude.
De tão humano, é quase um pecador.

Lamento
Antônio Carlos Gomes – Santos/SP

O tempo não passa:
Um lamento...
Reclamamos o vigor perdido.
O tempo está lá
Onde sempre esteve
Imutável.

Buscamos o que fomos
(como que se tivesse passado)
Chamamos isto de idade:

- Na verdade
O tempo fica
O vigor passa.

Eternos, dentro da finitude
Recordar é a única atitude.
Tudo que sobrou
Em um tempo estático
Que não nos olha.
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CARTAS DOS LEITORES

E assim se faz a história: com grandes líderes como Rafael Rocha. Bravamente, contra todas as marés avessas, ele persistiu na criação e manutenção do Humanitas, este periódico mensal que faz agora quatro anos (ou quem sabe 4000 anos), pela ousadia e força de sua profundidade. Um jornal do qual tenho a honra de fazer parte do quadro de escritores e jornalistas que o escrevem. O Humanitas é uma estrela que brilha, debalde a escuridão da ignorância que insiste em cercá-lo e apagá-lo. Mas não o conseguirão, pois seu líder e parceiros não o permitirão. Esta é uma estrela feita quase à mão do homem e à sua lucidez. Parabéns, Rafael Rocha e ilustres colegas, por mantermos juntos o brilho ofuscante e ao mesmo tempo clareador dessa Estrela Maior: jornal Humanitas! Ana Maria Leandro – Belo Horizonte/MG
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Parabéns ao Humanitas pelos seus quatro anos de existência. Maria das Dores de Oliveira – Salvador/BA 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 2

EDITORIAL

Crendices, invenções e necessidades

A humanidade inventou as crendices como recurso para se aliviar da ânsia por respostas aos mistérios da vida.
O interessante é que cada grupo de seres humanos compreende esses mistérios de acordo com as culturas de suas regiões.
Porque esses grupos humanos habitaram espaços geográficos diferentes, desenvolvendo sistemas de crenças diferentes.
Explica-se assim o motivo pelo qual temos hoje as mais estranhas e diversas crendices espalhadas pelo mundo.
Desde a origem da humanidade, até os dias atuais, muitas crenças desapareceram, assim como muitas outras superstições, rituais e costumes.
Hoje é impossível classificar as crenças. Todas as já praticadas partiram do princípio de diferentes sistemas culturais.
As culturas que apareceram na história da humanidade apresentam, desde seus primórdios, fortes vínculos com figuras simbólicas representadas por deuses, astros, homens, animais que servissem como representação concreta à imaginação.
Nos povoados pré-históricos, seus habitantes, crendo na existência de fenômenos sobrenaturais, sentiam-se ameaçados por essas forças e passaram a desenvolver práticas e rituais, acreditando na possibilidade de contato entre o mundo dos homens e o mundo sobrenatural.
Usando tais mecanismos acreditavam que estariam par a par com esse mundo e deixariam de correr o risco de serem punidos por explorar a natureza e viver de maneira errônea. Portanto, desenvolveram símbolos, significados e valores místicos institucionalizando, a partir disso, sistemas de crenças e rituais.
No processo evolutivo desses sistemas para adoração do sobrenatural, ou melhor, dos deuses da natureza, os homens primitivos institucionalizaram o que conhecemos hoje como religião.
Tudo envolvia a incerteza quanto ao que aconteceria em vida, inclusive o que é mais inerente à espécie humana: o medo de morrer.
Dessa forma, as crenças conseguem acalmar o ego humano de forma que ele possa se esquivar da dor do existir.
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Convicção - Friedrich Nietzsche

Convicção é a crença de estar, em algum ponto do conhecimento, de posse da verdade absoluta.
Esta crença pressupõe, então, que existam verdades absolutas; e, igualmente, que tenham sido achados os métodos perfeitos para alcançá-las. Por fim, que todo aquele que tem convicções se utilize desses métodos perfeitos.
Todas as três asserções demonstram de imediato que o homem das convicções não é o do pensamento científico. Ele se encontra na idade da inocência teórica e é uma criança, por mais adulto que seja em outros aspectos.
Milênios inteiros, no entanto, viveram com essas pressuposições pueris, e delas brotaram as mais poderosas fontes de energia da humanidade.
Os homens inumeráveis que se sacrificaram por suas convicções acreditavam fazê-lo pela verdade absoluta. Nisso estavam todos errados: provavelmente nenhum homem se sacrificou jamais pela verdade; ao menos a expressão dogmática de sua crença terá sido não científica ou semicientífica.
Mas realmente queriam ter razão, porque achavam que deviam ter razão.
Permitir que lhes fosse arrancada a sua crença talvez significasse pôr em dúvida a sua própria beatitude eterna.
A pressuposição de todo crente de qualquer tendência era não poder ser refutado; se os contra-argumentos se mostrassem muito fortes, sempre lhe restava ainda a possibilidade de difamar a razão e até mesmo levantar o credo quia absurdum est (creio porque é absurdo) como bandeira do extremado fanatismo. Não foi o conflito de opiniões que tornou a história tão violenta, mas o conflito da fé nas opiniões, ou seja, das convicções.
Se todos aqueles que tiveram em conta a sua convicção, que lhe fizeram sacrifícios de todo não pouparam honra, corpo e vida para servi-la, tivessem dedicado apenas metade de sua energia a investigar com que direito se apegavam a esta ou àquela convicção, por que caminho tinham a ela chegado: como se mostraria pacífica a história da humanidade! Quanto mais conhecimento não haveria!
  Todas as cruéis cenas, na perseguição aos hereges de toda espécie, nos teriam sido poupadas por duas razões: primeiro, porque os inquisidores teriam inquirido antes de tudo dentro de si mesmos superando a pretensão de defender a verdade absoluta. Porque os próprios hereges não teriam demonstrado maior interesse por teses tão mal fundamentadas como as dos sectários e ortodoxos religiosos, após tê-las examinado. 

AVISO ESPECIAL


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

HUMANITAS Nº 51 – SETEMBRO 2016 – PÁGINA 1

RELIGIÃO É O NEGÓCIO MAIS LUCRATIVO
NO BRASIL DEPOIS DO NARCOTRÁFICO

Governos são coniventes porque sabem que podem manobrar melhor as massas através das religiões
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Humanistas defendem o estado laico e o fim da imunidade tributária de todas as igrejas
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Com templos pobres ou suntuosos, as religiões arrecadam bilhões de seus fiéis (apenas em 2011 foram mais de R$ 20,6 bilhões). A maior parte dessa arrecadação tem como origem a fé dos brasileiros. As religiões são protegidas declaradas dos governos e o povo é o negócio da Igreja e do Estado (Leia o texto de Juarez Pedrossiano Goitá na página 6)
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Leia na página 5 o artigo da escritora e jornalista Ana Maria Leandro intitulado INDEPENDÊNCIA E VIDA
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Jorge Oliveira de Almeida disserta na página 4 sobre as obras de Deus
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BAIANIDADE

O escritor Araken Vaz Galvão Sampaio explica na página 7 porque os naturais de Salvador/BA são denominados de SOTEROPOLITANOS
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ERRATA DA EDIÇÃO ANTERIOR

Na página 8 do HUMANITAS nº 50 – Agosto/2016 – 12º parágrafo, onde se lê: ...e a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1916, leia-se: ...e a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961

domingo, 14 de agosto de 2016

HUMANITAS - O JORNAL DOS LIVRES PENSADORES

O jornal HUMANITAS é uma publicação mensal e SEM FINS LUCRATIVOS, bancada por um grupo de livres pensadores brasileiros. O jornal é distribuído gratuitamente em todas as regiões do Brasil, na Espanha e em Portugal. O grupo que colabora para a existência deste periódico é formado pelo jornalista e editor-geral Rafael Rocha (Recife/PE), pela jornalista e escritora Ana Maria Leandro (Belo Horizonte/MG), pelo médico Antônio Carlos Gomes (Santos/SP), pelo advogado e escritor Valdeci Ferraz (Recife/PE), pelos autodidatas Francisco Assis Coelho (Recife/PE), Manfred Grellmann (Camaragibe/PE), Ivani Medina (Rio de Janeiro/RJ), Cristina Obredor (Rio de Janeiro/RJ), Jorge Oliveira de Almeida (Rio de Janeiro/RJ), pelo mestre em História Thomas de Toledo Stella (São Paulo/SP), pelas mestras em História, Jacqueline Ventapane (Rio de Janeiro), Aline Cerqueira (Salvador /BA), Sarita Cordeiro (Salvador/BA) e pelos escritores Araken Vaz Galvão (Valença/BA), Pedro Rodrigues Arcanjo (Olinda/PE), Juarez Pedrossiano Goitá (Fortaleza/CE), Gilberto Nogueira de Oliveira (Nazaré/BA), pelo ecólogo Perimar Moura (Ilhéus/BA), tendo como suporte em Lisboa (Portugal) e em Madrid (Espanha), a arquiteta e historiadora brasileira Carmén Bragança Vázquez.