sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

HUMANITAS Nº 55 – JANEIRO/2017 – PÁGINA 8

Brasil: um país fundado
no ventre de mulheres nativas e africanas

Especial para o Humanitas
Durval Arantes é professor e autor do livro O Último Negro – Editora Vermelho Marinho. Mora em São Paulo/SP

Ele era da “principal nobreza de Viana do Castelo” (Portugal); ela, filha de um cacique tupinambá…
Diogo Álvares Corrêa foi um explorador português que sobreviveu a um naufrágio, na costa do litoral baiano, por volta do ano de 1510. Já habitante entre os nativos, passou a ser chamado de “Caramuru”.
Foi, muito provavelmente, o primeiro homem europeu a constituir um casal extra-étnico em terras brasileiras.
O Brasil foi “descoberto” no ano de 1500 (outra balela eurocêntrica, pois os núcleos populacionais aqui encontrados pelos colonizadores já habitavam o território brasileiro havia pelo menos 9 mil anos!).
A vinda de mulheres europeias de forma sistemática só se consolidou a partir do ano de 1550, na época em que Tomé de Sousa foi nomeado o primeiro governador do Brasil. Ainda assim, eram em número muito baixo as moçoilas de Portugal, educadas sob as premissas e o rigor dos tabus dogmáticos do catolicismo.
Nos primeiros anos da exploração europeia sobre o Novo Continente, o deslocamento entre a costa oeste africana e a costa leste do Brasil durava de 35 a 40 dias e as tripulações eram compostas exclusivamente por homens. Ao desembarcaram em terras novas, os navegantes estavam ensandecidos pela abstenção sexual e, diante da visualização da nudez natural de meninas, moças e mulheres indígenas, é possível especular sobre os horrores passados pelo contingente feminino habitante dos novos territórios encontrados.
As primeiras embarcações dos navios tumbeiros trazidos da África começaram a chegar ao longo da costa brasileira por volta de 1526.
Isso significa considerar que as meninas, moças e mulheres africanas eram estupradas e violentadas rotativamente (ou seja por mais de um membro de uma mesma tripulação) por mais de um mês em alto mar.
E (se sobrevivessem ao infortúnio), passavam a ser violadas também em terra firme, após serem vendidas como mercadorias nos leilões escravagistas da época.
Seguramente este cenário deve ter se mantido razoavelmente no mesmo padrão por pelo menos uns 200 anos da História do Brasil, ou seja, mesmo após o estabelecimento consolidado das mulheres eurocêntricas em território nacional.
O que dá robustez à interpretação de que o Brasil, enquanto Estado, País, Pátria e Estado, foi concebido sob a instituição do estupro, do sexo violento, da miscigenação coercitiva (…), da mistura étnica mais abusiva do que consentida.
E que, pela perspectiva do olhar masculino europeu, lançou as bases dos estereótipos e fetiches sexo-pejorativos e sexo-infames associados às mulheres nativas e de descendência africana em terras tropicais.
As mazelas deste início questionável da civilização brasileira podem ser sentidas nas investidas do “turismo sexual” europeu, que ainda assola a costa brasileira de norte a sul do país, em pleno século 21.
No tocante às mulheres negras, entendo que nós homens (principalmente os homens negros) precisamos nos alinhar à luta delas, naquilo em que elas entenderem ser o nosso melhor tipo de apoio, para que construamos uma comunidade forte, representativa, coesa, unida e vitoriosa, a partir da blindagem da dignidade e do valor intrínseco de cada uma das nossas meninas, moças, mulheres e anciãs do nosso eixo étnico. Manos, mãos à obra. Já passou da hora!

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Extraído de http://www.mundonegro.inf.br/

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