sábado, 30 de dezembro de 2017

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 5



Operação Tarântula: a caça às travestis no Brasil nos anos 1970 e 1980


Francine Oliveira, articulista deste Humanitas. Mestre em Teoria Literária e Crítica da Cultura. Atua
em São João  del Rei/MG

- O regime militar foi especialmente duro com LGBTs. Após a abertura política, policiais continuaram a "caçar" travestis com o apoio da sociedade –


As travestis definitivamente fazem parte do imaginário cultural brasileiro. Estão nas ruas, na televisão e formam um grupo social único de complexa definição.
Apesar de toda sua visibilidade, isso não significa que são aceitas socialmente - muito pelo contrário, representam um dos segmentos mais discriminados e marginalizados da comunidade LGBTTT.
A expressão de gênero feminina não confere unanimidade às identidades de gênero adotadas pelas travestis: algumas se identificam como mulheres; outras, como um terceiro gênero entre o masculino e o feminino. Há ainda aquelas que se dizem homens homossexuais (talvez reproduzindo um senso comum ainda veiculado pelos meios de comunicação).
De fato, historicamente, algumas travestis adotaram uma aparência feminina para conquistar mais clientes no mercado da prostituição, que por vezes se apresenta como único meio de subsistência para homossexuais efeminados nascidos em famílias pobres e que não puderam pagar por uma educação de qualidade.
Mas há também as mulheres trans que não têm condições de pagar pelo processo de transição adequado e recorrem a meios mais baratos para conquistar o corpo que tanto desejam.
. Há até mesmo aquelas mulheres que não almejam a cirurgia de redesignação genital e abraçam a ambiguidade de gênero que acaba por caracterizar a travesti que figura na mentalidade popular
No Brasil governado por militares, não é de se estranhar que essas pessoas tenham se tornado alvo de perseguição juntamente à comunidade homossexual (como foi o caso também dos negros, associados à "vadiagem" e "malandragem"). Apesar de muitas, na época, trabalharem na indústria do entretenimento como transformistas, a maioria recorria à prostituição para se manter e, por isso, travestis eram consideradas criminosas.
Segundo conta o livro “Ditadura e homossexualidades”, de James N. Green e Renan Quinalha, no início dos anos 1970 a polícia civil passou a fazer rondas para reprimir a criminalidade nas grandes cidades, por meio de blitze.
Assim, apreendiam LGBTs nas ruas sob a justificativa de averiguação (naquela época, havia uma lei contra a "vadiagem", que era usada como motivação para deter essas pessoas). A partir de 1976, a polícia civil de São Paulo passou a estudar e a combater travestis.
O delegado Guido Fonseca, responsável por uma pesquisa em criminologia, envolvendo essas pessoas que chamava de "pervertidos", determinou que toda travesti devia ser levada à delegacia para que fosse fichada e tivesse sua foto tirada "para que os juízes possam avaliar seu grau de periculosidade".
Além da repressão oficial, as décadas 1970/1980 testemunharam uma onda de assassinatos brutais de LGBTs, alguns bastante conhecidos, como o diretor de teatro Luíz Antônio Martinez Corrêa, irmão de Zé Celso.
Em 1987, a polícia deu início à “Operação Tarântula”, com o objetivo principal de prender travestis que se prostituíam nas ruas de São Paulo.
Apesar de a operação ter sido suspensa pouco tempo depois, travestis passaram a ser assassinadas misteriosamente, a tiros.
Além da suspeita que recaiu sobre policiais, houve desconfiança da ação de grupos anti-gays que se manifestavam abertamente e, não raro, a própria população era favorável à matança como uma forma de "higienização" das ruas da cidade.
Conhecer esse período tenebroso da história brasileira é importante para que fiquemos atentos a novas movimentações semelhantes de ataques à comunidade LGBT - que podem começar como uma simples defesa à liberdade de expressão e ao direito de "não gostar de homossexuais".
A linha entre “a livre manifestação de um ponto de vista preconceituoso” e a “ação” pode ser mais tênue do que imaginamos.

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 8

A primeira presa política da História do Brasil

Especial do Humanitas

Bárbara Pereira de Alencar nasceu em Exu/Pernambuco, em 11 de fevereiro de 1760.
Mais conhecida por ser avó do escritor José de Alencar, Bárbara deixou imagens marcantes para as novas gerações, por ser revolucionária, política, e empreendedora.
Destacou-se em várias frentes e em todas há um ponto comum: a entrada feminina em campos dedicados somente aos homens durante o século XVIII, diz a pesquisadora Kelyane Silva de Sousa, em tese de mestrado.
Sobre o legado da revolucionária,  a pesquisadora salienta que “não era um papel secundário. Ela foi articuladora e, inclusive, escrevia os discursos para filhos e tios falarem em público”.
Bárbara ainda assumiu protagonismo na Revolução Pernambucana (1817) e na Confederação do Equador (1824).
Três de seus cinco filhos – José Martiniano de Pereira Alencar, Carlos de Alencar e Tristão Gonçalves – também foram revolucionários (o primeiro era padre, político e jornalista, e foi o pai do romancista José de Alencar).
Bárbara mudou-se para a vila do Crato, no Ceará, onde se estabeleceu e tornou-se matriarca de uma família, numa época onde a vida da mulher era restrita a criar filhos e o patriarcado se impunha de modo rigoroso.
Casou, aos 22 anos, com o comerciante português José Gonçalves dos Santos. Ela própria fez o pedido de casamento. No Crato, em meados de 1815, criou em sua casa o núcleo do movimento revolucionário que se organizava em Pernambuco.
De acordo com o escritor Roberto Gaspar, autor do livro Bárbara de Alencar, a Guerreira do Brasil”, “Dona Bárbara sempre foi considerada a cabeça pensante. Ela tinha a política nas veias e, na articulação, era a referência do grupo”.
Quando estourou a Revolução Pernambucana, em 1817, ela, junto com seu filho José Martiniano, durante a missa dominical, proclamou a república tal como se fizera no Recife.
As tropas da coroa portuguesa foram enviadas para conter a revolta, prenderam todos, enviando-os a pé até a cidade de Fortaleza sob o sol escaldante, num percurso de 600 km, cuja viagem durou um mês.
Em 1821, Bárbara foi libertada, mas não deixou de lado o sonho de ver o Brasil livre do domínio português. Em 1824, o movimento revolucionário que aconteceu no Recife, a “Confederação do Equador”, liderado por Frei Caneca, espalhou-se pelo Nordeste e encontrou Bárbara e seus filhos prontos para a nova revolta. Dois de seus filhos, Carlos de Alencar e Tristão Gonçalves morreram em combate.
O sobrenome Alencar foi perseguido pelo poder constituído durante muitos anos após a Confederação do Equador. Algumas pessoas com este sobrenome, mesmo sem participação na vida política do país, acabaram virando mártires.
Conta-se que pelo menos 13 parentes, por consanguinidade e afinidade, foram assassinados. Quando seu filho José Martiniano foi eleito senador do Império, em 1832, o imperador Dom Pedro II vetou seu nome. Mesmo já tendo sido ministro da Justiça, o imperador temia o sangue revolucionário que corria nas veias da Família Alencar”.
Bárbara de Alencar foi a primeira revolucionária e primeira presa política da História do Brasil. Hoje quando o feminismo avança no País, ela ainda não é reconhecida como heroína da nossa História. Falecida em 18 de agosto de 1832, apenas no Ceará seu nome é reconhecido e lembrado no imaginário popular.
O cantor Luiz Gonzaga, também nascido em Exu, antes do início de seus shows pela região do Cariri, gostava de saudar “Dona Bárbara de Alencar”. Em Fortaleza, a partir de 11 de fevereiro de 2005, o Centro Cultural que leva seu nome agracia três mulheres com a “Medalha Bárbara de Alencar”, uma respeitável condecoração. O Centro Administrativo do Governo do Ceará é batizado com seu nome. Uma estátua da heroína foi erguida na Praça Medianeira, Fortaleza/CE.

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 7

Abortar ou não...

Ana Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Jornalismo é assim... De vez em quando nos aparecem difíceis temas para escrever. Porque não quero só escrever para preencher espaços.
Uma grande amiga me enviou um comentário que nunca esquecerei: Você tem o dom. Não escreve. Descreve. Pinta quadros com as palavras”. Veja que enorme a minha responsabilidade de corresponder a isto! Não posso “trapacear” nem usar “chavões peneiradores”, nem conceitos pré-estabelecidos à força de uma cultura de qualquer linha.
Pois bem, hoje tenho que falar sobre algo muito difícil de comentar, porque pertence tão fortemente à interioridade de cada um, que tenho muito receio de invadir um espaço que não me pertence. Poderia talvez me “omitir”, não falar nada, eximir-me de uma resposta e assim não desagradar ninguém. Mas não é o “meu forte”.
Já recebi condecorações, mas também críticas por coisas que expressei. Nessas oportunidades às vezes me vi reforçada no meu conceito, outras vezes me vi precisando ajustá-lo em nova aprendizagem. Mas não sei me omitir... Parece que me vejo reduzida em minhas “utilidades” na vida se o fizer.
A VIDA tem para mim, como tenho certeza que para muitas pessoas, valor incalculável. A vida plena, que nos foi dada para nos tornarmos úteis a nós mesmos e ao próximo.
Costumo dizer que quem não conhece ou contradiz essa realidade, não tem possibilidades de encontrar a felicidade. Aquela que nos faz orgulharmos de nós mesmos, sem arrogância, com autenticidade, tendo a coragem de reconhecer as falhas humanas para corrigi-las.
Pois a vida/escola nos foi concedida para aprendermos e também para nos corrigirmos, nos auto-avaliarmos com coragem e fazer valer a pena viver.
A função hoje exige que eu me expresse sobre o tema do aborto. Considero-o difícil porque entendo que o mais elementar direito humano é o de nascer.
Os outros direitos, como a liberdade, educação, saúde, trabalho, justiça, cidadania - só ganham sentido se houver o ser humano para desfrutá-los. Cercear sem razões o direito à vida é negar todos os demais.
Mas quando se trata desse assunto, não posso também deixar de pensar em incalculáveis sofrimentos que são destinados às pessoas que ao gerarem um ser, por mil razões possíveis podem não ter condições de levá-las a desfrutar dos demais direitos da vida já citados, como liberdade, educação, saúde etc.
É óbvio que deveria ser dever do ser humano verificar essas possibilidades antes de concebê-lo e hoje a ciência já disponibiliza inúmeros recursos para tal.
Mas num país subdesenvolvido, de grande população sem as menores condições de uma qualidade mínima de vida, sem escola, sem saúde (obrigações básicas constitucionalmente estabelecidas, mas infelizmente não contempladas) será que podemos esperar essa capacidade de obedecer a essa lógica?
Numa análise humanística a lei não pode decidir sobre aquilo que a nação não dá direito a TODOS posteriormente. É lógico que existem nascituros cujos progenitores desconheciam a falta de condições ideais biológicas de uma vida normal do mesmo e por isso enfrentaram as dificuldades da criação com resignação, e tenho certeza, até com muita aprendizagem no processo.
Mas com a tecnologia avançada da medicina e um sistema amplo de cobertura da saúde nacional, todos poderiam fazer uma opção consciente, com conhecimento das possibilidades de qualidade de vida que terá aquele ser.
Não acredito em “legislação” que interfira sobre a interioridade de cada um. A Lei tem de decidir sobre ações que afetam a sociedade em geral, como o roubo, a corrupção, a eliminação de uma vida já estabelecida e outros fatores criminais.
Quando digo “vida já estabelecida” o faço no sentido da capacidade de pensar, agir e tomar decisões. Isto vale também sobre as situações incontáveis de violência a uma criança submetida à violência do estupro, ou mesmo conduzida a uma maternidade que não poderá sustentar.
Respeitemos as decisões dessas pessoas, sobre se devem ou não abortar.
A opção tem de ser de livre arbítrio, de acordo com valores de cada um e o real conhecimento das consequências em si mesmo. Não pode uma página fria de um papel, nem a dura caneta de um legislador invadir a interioridade e os sentimentos humanos de alguém que só ele mesmo sustentará.
E qualquer que seja a opção, que seja destituído de crítica, discriminação ou qualquer forma de conceituação criminal. Ninguém vai viver a vida do “OUTRO”, nem as consequências de suas decisões.
Numa sociedade altamente carente de desenvolvimento cultural; discriminatória (o simples olhar às vezes revela essa discriminação, independente de palavras); desrespeitadora da vida alheia, submeter os progenitores a tal sofrimento é uma violência não somente a eles, mas ao ser que geraram.

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 6

Manual de americanalhice, ou seja, para ser americano do Norte

Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Mora em Valença/BA

Primeira Lição - Para ser americano (dos Estados Unidos), o sujeito precisa – além de ter um bom plano, pois todo americano (dos Estados Unidos) sempre o tem – nascer nos Estados Unidos e, para tal, deve alertar os pais (e/ou a cegonha) – antecipadamente – para que tomem as providências cabíveis.
Não pode esquecer que nos Estados Unidos só se é americano da gema se for um WASP, isso significa que o melhor lugar para se nascer são os estados da Pensilvânia e de Massachussetts, as cidades de Filadélfia e Boston são consideradas o fino do fino. Não sendo possível, deve nascer em qualquer uma das antigas 13 colônias inglesas. Isso é importante.
O sul (profundo) não conta, há muito coloured”, e se você é brasileiro, com a possibilidade de seus ancestrais terem (sempre têm) um pé na senzala, é um perigo. O oeste, como você sabe é terra de cowboys” (que recentemente se descobriu que eram gays), ou seja, de gente rústica, o que sempre é um ponto a menos, ainda que seja melhor do que nada. A Califórnia, embora seja muito rica, caso você não tenha de berço o destino manifesto para surfista, hippie ou gay ou lésbica, é um perigo; possui muitos orientais e... hispânicos.
A única coisa que você não pode é ser confundido com um hispânico. Melhor ser confundido com um dog”.
Nem pensar em algum outro estado que tenha fronteira com o México, ali o perigo é maior e você poderá ser chamado de cucaracha”. Contudo, esses estados são importantes como trampolins, pois servem para se entrar clandestino, porém você não quer ser tal coisa, seu dream é ser gringo puro sangue, com pedigree e tudo.
Há uma coisa que você não pode esquecer, seja onde for o lugar onde você nascer (lá), é que você tem que ser durão e provar isso a toda hora.
Agora, o básico, o fundamental, o decisivo, o que jamais pode ser esquecido, é que os americanos (dos Estados Unidos), ou seja, os estadunidenses, dividem-se em três grandes grupos: os perdedores, 71%; os políticos, 5%; e os vencedores, 14% da população, mais ou menos.
Os vencedores são os Mellon, os Du Pont, os Ford, os Rockefeller, os Dillon, et caterva. Os que ficaram ricos construindo impérios no fundo do quintal ou na garagem, do tipo Bill Gates, são emergentes – igual que aqui – mas contam muito e muito mais. Os políticos, são aqueles que, servindo aos vencedores, estão – lá, como aqui – sempre por cima da carne seca.
Os perdedores, os 71% da população, são a fortíssima classe média que ganha o suficiente para pensar que é vencedora, e é justamente neste grupo social que você deve sonhar ingressar.
Ah! Você fez as contas e notou que a soma dá 90% da população e pergunta: “onde estão os 10% restantes?”
Estão na Máfia, ou melhor, nas máfias, a italiana, a mais forte e numerosa; a judia; a polonesa; a irlandesa; a negra; a russa, a mais nova, a alemã, e assim sucessivamente. O que sobrar desses 10%, se sobrar, está nas prisões.
Com um plano bem estruturado e tomadas essas elementares providências, você terá uma grande surprise”.
Para ser um autêntico WASP, o seu tetravô teria que ter ido para as colônias inglesas da América do Norte no Mayflower”, ou ali por volta de 1664, o mais tardar, um pouco antes de 1775, para ter tempo de participar do primeiro Independence Day”; mas se seu tetravô veio como degredado para south American, então a coisa se complica e você já começou no prejuízo (...), ainda que só um imbecil corra atrás de prejuízos... Porém se uma pessoa deseja ingressar no American way of life” só pode ser um.
Aguardem a segunda lição. Enquanto isso, desejo a todos um Feliz Ano Novo.

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 4

Homem: o supremo palhaço da criação

Henry Mencken, jornalista e crítico social norte-americano (1880-1956) in  Livro dos Insultos (1919)

A velha noção antropomórfica de que todo o universo se centraliza no homem – de que a existência humana é a suprema expressão do processo cósmico – parece galopar alegremente para o baú das ilusões perdidas.
O fato é que a vida do homem, quanto mais estudada à luz da biologia geral, parece cada vez mais vazia de significado. O que no passado deu a impressão de ser a principal preocupação e obra-prima dos deuses, a espécie humana começa agora a apresentar o aspecto de um subproduto acidental das maquinações vastas, inescrutáveis e provavelmente sem sentido desses mesmos deuses.
(...) De fato, hoje, a teoria antropomórfica ainda é mais adotada do que nas eras de obscurantismo, quando a doutrina de que um homem era um quase deus foi no mínimo aperfeiçoada pela doutrina de que as mulheres eram inferiores.
Uma por uma, todas essas tolices são baseadas na noção de que o homem é um animal glorioso e indescritível, e que sua contínua existência no mundo deve ser facilitada e assegurada. Mas esta ideia é obviamente uma estupidez.
No que se refere aos animais, mesmo num espaço tão limitado como o nosso mundo, o homem é tosco e ridículo. Poucos bichos são tão estúpidos ou covardes quanto o homem.
As formigas e abelhas são mais inteligentes e engenhosas; gerem os seus sistemas de governo com muito menos confusões, desperdícios e imbecilidades. O leão é mais bonito, digno e majestoso. O antílope é infinitamente mais rápido e gracioso.
O gorila é mais gentil com os seus filhos e mais fiel à companheira.
Mas, acima de tudo, o “homem é deficiente em coragem”, talvez a mais nobre de todas as qualidades.
Nenhum outro animal é tão incompetente para se adaptar ao seu próprio ambiente.
A criança, quando vem ao mundo, é tão frágil que, se for deixada sozinha por aí durante alguns dias, infalivelmente morrerá, e essa enfermidade congênita, embora mais ou menos disfarçada depois, continuará até a morte.
O homem adoece mais do que qualquer outro animal, tanto no seu estado selvagem quanto abrigado pela civilização.
Sofre de uma variedade maior de doenças e com maior frequência. Cansa-se ou fere-se com mais facilidade.
Finalmente, morre de forma horrível e geralmente mais cedo.
Praticamente todos os vertebrados superiores, pelo menos no seu ambiente selvagem, vivem e retêm as suas faculdades por muito mais tempo.
Mesmo os macacos antropóides estão bem à frente dos seus primos humanos.
Um orangotango casa-se aos sete ou oito anos de idade, constrói uma família de setenta ou oitenta filhos, e continua tão vigoroso e sadio aos oitenta quanto um europeu de 45 anos.
Todos os erros e incompetências do que se chama de Criador chegaram ao seu clímax no homem.
Como peça de um mecanismo, o homem é o pior de todos; comparados com ele, até um salmão ou um pássaro são máquinas sólidas e eficientes.
O homem transporta os piores rins conhecidos da zoologia comparativa, os piores pulmões e o pior coração.
Os seus olhos, considerando-se o trabalho a que são obrigados a desempenhar, são menos eficientes do que o olho de uma minhoca.
(...) Vou chegar agora a um ponto de inquestionável superioridade natural do homem: ele tem alma. É isto que o separa de todos os outros animais e o torna, de certa maneira, senhor deles. A exata natureza de tal alma seria a de fazer o homem entrar em contato direto com um deus, torná-lo consciente de um deus e, principalmente, torná-lo parecido com um deus. Consideremos o “colossal fracasso” dessa tentativa.
Se presumirmos que o homem realmente se parece com um deus, somos levados à inevitável conclusão de que esse “deus é um covarde, um idiota e um patife”.
E, se presumirmos que o homem, depois de todos esses anos, não se parece com um deus, então fica claro imediatamente que a alma é uma máquina tão ineficiente quanto o fígado ou as amídalas, e que o homem poderia passar sem ela.
O único efeito prático de se ter uma alma é que ela infla no homem vaidades antropomórficas e antropocêntricas – em suma, com superstições arrogantes e presunçosas. Ele se empertiga e se empluma só porque tem alma – e subestima o fato de que ela não funciona. Assim, ele é o “supremo palhaço da criação”, o reductio ad “absurdum” da natureza animada.

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 3

Refúgio Poético – Cartas dos Leitores – Teste de Xadrez

Nostalgia
Valdeci Ferraz – Recife/PE

Onde está aquele olor inebriante
que tornava a emoção tão comestível
como as pétalas de uma rosa branca?
Onde estão aquelas notas
que de tão harmoniosas
geravam rios de lágrimas e arco-íris inversos?
Onde está aquela luz
que emanava dos nossos corpos
despertando as estrelas
tornando nossas noites muito mais iluminadas?
Onde se escondeu o beijo
que não aconteceu
e tornou mágica a manhã de abril?

Em alguma esquina,
na ponta de um iceberg,
no topo de um mastro,
nas brumas de um sonho
alguém encontrará o nosso cheiro.
E por ele se guiará ao paraíso,
pois diante de nossos olhos desfilam os mortos,
enquanto os vivos vagueiam
na neblina de sua existência medíocre.

Eles voltam para refazer a sua história
que alguém não registrou como devia
ou morreu antes de escrevê-la.
Nas ruas se erguem paliçadas
para barrar o inevitável,
enquanto os mísseis cruzam o ar
e o homem da caneta de ouro distribui migalhas.

Onde está o violão
que fumegava tarântulas assustadoras
sobre a mesa do homem nu?
Onde estão os guardanapos
sobre os quais os poetas escreviam as suas profecias
embriagados de cerveja e sexo?

No tempo que se fez de chumbo
ergueram-se as baionetas
e amordaçaram o espantalho que vigiava o campo.
E veio a noite e veio o dia
as aves do céu devoraram o fígado do espantalho
enquanto Quíron dormia
sob as marquises dos velhos pardieiros.

O que fizeram dos corrimões de sonhos dourados?
O que fizeram dos caracóis alados?
Cadê o meu cavalo de pau?
As ruas estão desertas ou repletas de homens vazios
embora conduzam o mundo nas mãos.
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CARTAS DOS LEITORES

Adoro a página de poesias do Humanitas. E agora está  muito melhor com o diagrama de xadrez para desvendar o xeque-mate. Ricardo Oliveira Ferraz – João Pessoa/PB
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Em cada mês uma surpresa. Parabéns Humanitas. Maria do Socorro de Lima – Recife/PE
***
Uma publicação dinâmica e de qualidade especial. Leonardo da Silva – Manaus/AM

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 –PÁGINA 2

EDITORIAL

Dias melhores

Amigos leitores: sejam bem-vindos ao ano de 2018!
Estamos no mês de janeiro! Época em que ainda não nos acostumamos muito em sentir que já estamos vivendo um novo ano.
Ainda existem pessoas que esquecem o tempo e continuam a grafar as datas e os momentos da vida como se estivessem em 2017.
Outras estão a guardar suas energias vitais para o mês de fevereiro e para as alegrias do Carnaval.
O nome janeiro provém do latim Januarius e foi uma homenagem feita ao deus Janus do começo da mitologia romana. Não por coincidência Janus era o deus das duas faces, uma olhando para o passado e a outra para o futuro. Assim, janeiro mostra suas duas aparências: olhando para o que vem pela frente e para o que já passou.
Nós, deste Humanitas, continuaremos a navegar neste 2018 em busca de alternativas para levar conhecimento real aos cérebros dos seres humanos, criando dúvidas sobre tudo o que é oferecido como coisa pronta pelos políticos e pelas religiões organizadas. Queremos incentivar o ser humano a pensar.
Temos um objetivo para atingir, aprofundando conhecimentos e indo mais além dos simples detalhes.
Lembramos que o pensamento único é uma ideia criada pelos opressores. A ideologia do pensamento único não serve para valorizar a vida humana. Pensamento único é escravidão. Ditadura e religião fazem parte dessa ideologia.
Estamos aqui numa luta contra os mitos e contra todos aqueles que fazem dos seres humanos, através da lavagem cerebral, animais para levar ao abatedouro.
Os desejos que nascem de todos nós que fazemos o Humanitas é de que 2018 traga tempos melhores para homens e mulheres de todo o planeta Terra, em particular para o povo brasileiro, sempre tão explorado e vilipendiado por quem se locupleta como representante ou governo.
Esperamos por dias melhores!
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Pulsão de destruição
Antonio Carlos Gomes - Médico – Guarujá/SP

A pulsão de destruição, denominada por Freud como Pulsão de Morte, geradora de polemicas e controvérsias, a meu ver é o que mantém a vida.
Nossa vida originou-se de uma reação química da natureza em condições propicias para se multiplicar...
Como todos os elementos da natureza, os movimentos são egoístas, individuais, agressivos e sem distinção de bem ou mal.
A natureza é expansão individual de cada elemento numa procura louca que não entendemos, para atingir um todo uno e absoluto de um só elemento.
A necessidade de amparo, dada a fragilidade do elemento formado, fez necessária a formação de colônias de iguais e obrigou o relacionamento dos mesmos, de modo antagônico à força destruidora original.
A necessidade criou o amor e a amizade.
Esta criação, porém, é limitada.
O relacionamento harmônico entre dois ou mais seres leva a inércia, tende a parar o movimento da pulsão inicial e esta reage com todo seu poder de destruição.
A estabilidade e a acomodação geram o conflito.
Tudo para que a expansão própria do universo não seja interrompida, numa equação acomodação/morte.
Jamais existirá uma sociedade de paz entre seres vivos.
Vida é movimento e este é guerra e destruição.
Mas sou um poeta e continuo a sonhar com um mundo perfeito que foge da lógica da criação.
Que se crie a paz, mas nunca se acomode, pois essa paz será seguida por morte e guerras.

HUMANITAS Nº 67 – JANEIRO DE 2018 – PRIMEIRA PÁGINA

DESEJAMOS A TODOS OS NOSSOS LEITORES UM FELIZ ANO NOVO
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Buscar mais conhecimentos, fazer pensar e defender o pensamento científico serão
sempre nossos objetivos. Que este novo ano traga mais força para essa luta.
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Conheça a história de Bárbara Pereira de Alencar, a primeira presa política da Historia do Brasil, na PAGINA 8
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Araken Vaz Galvão apresenta, na PÁGINA 6, o manual de americanalhice, ou como se tornar um americano do Norte