quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PRIMEIRA PÁGINA

A queniana que fundou uma vila
apenas para mulheres

Rebecca Lolosoli, que fundou no norte do seu país uma vila denominada Umoja (Unidade), tornando-a um pequeno refúgio para mulheres que fogem de casamentos infantis forçados, mutilação genital e também de atos violentos como o estupro é focalizada na PÁGINA 4 por Francine Oliveira - articulista deste Humanitas e Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura. Nessa pequena vila habitam cerca de 50 mulheres e 200 crianças sem a presença de qualquer homem desde o ano de 1990.

..................................................

Recife e Olinda estão em festa

As cidades do Recife, capital de Pernambuco, e de Olinda são polos turísticos que atraem visitantes pela riqueza das suas manifestações culturais. Ambas completam no dia 12 de março 481 anos (Recife-1537) e 483 anos (Olinda-1535). Extensas festividades estão sendo organizadas pelas prefeituras para comemorar essa data histórica.

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 2

EDITORIAL

Mulheres e mais mulheres

Mulheres e mulheres e mulheres! Elas são as deusas da vida em todos os sentidos. Marias, Paulas, Jucélias, Patrícias, Cleonices, Terezas, Irenes, Anas, Lúcias...
Sejam quais forem seus nomes, elas são as donas deste mês de março em todo o planeta.
Fortes, duronas, lutadoras, radicais elas jamais irão perder espaços, pois dentro de cada uma habita (ainda que escondidamente em algumas) a suavidade e a singeleza próprias do gênero.
Idiota é todo aquele que olha a mulher e a observa pela ótica machista. Criminoso é todo aquele que maltrata, bate, ofende e machuca a mulher.
Mulher não é para ser dominada, nem tolhida. Mulher não é para ser entendida. Apenas deve ser amada, venerada.
Nos tempos de hoje a tecnologia deixou as mulheres mais donas de si próprias. Cada vez mais afoitas, compartilhando lado a lado suas ideias com as dos grandes pensadores, sejam eles da Antiguidade Clássica ou dos tempos de hoje.
Cada vez mais femininas, curtindo a beleza, a vontade de viver, a liberdade de ser e de criar, de ser mãe, tia, irmã, amante, esposa, amiga e trabalhadora.
Beijos, abraços, palmas para todas elas neste março, principalmente no dia 8 de março, quando precisam e devem reverenciar a luta de seu gênero e serem cada vez mais respeitadas e amadas.
E este Humanitas apregoa aos quatro ventos o brado: Abram alas! Elas nos ajudam a viver com mais intensidade!

..................................................

Amélia foi embora...

Ana Maria Leandro – Jornalista Belo Horizonte/MG

Julieta é uma mulher madura e determinada. Tem origem humilde e uma história de lutas desde a infância cheia de necessidades.
Segundo ela “melhor nem lembrar...”.
Mas tem um brilho especial no olhar. Levanta-se cedo e vai para o serviço de faxina de um prédio de vários andares.
Ao meio-dia para e desembrulha a marmitinha, que conserva a comida quentinha e consegue almoçar com prazer.
Depois sai de lá, já no início da tarde, corre para as casas de clientes cativas de suas habilidades de manicure e pedicure, tarefa que aprendeu sozinha, mas que realiza sem machucar ninguém.
Como diz ela: “Deus me livre; nunca tirei um bife em ninguém”.
Lixa daqui, esmalta dali e o sol começa a se pôr quando ela volta para casa.
Sempre correndo... Parece que agora ainda tem mais pressa.
Precisa chegar rápido para fazer um jantarzinho (que sobre para o almoço do outro dia, que deixa pronto).
Serve a família, toma um banho enquanto apressa o filho adolescente para também ser rápido, pois eles vão juntos para a escola pública noturna. Sim; Julieta está fazendo a sétima série do Ensino Fundamental.
De acordo com o que ela diz, começou só para incentivar o filho a ser frequente, e também acompanhá-lo à escola.
“O mundo está muito difícil, preferi ir com ele, para evitar que más companhias o desviem da escola”, completa, como se pudesse controlar tudo pessoalmente. Entretanto, acabou que agora ela também adora estudar. Estão cursando juntos a mesma série. Dividem as tarefas escolares e se ajudam nos estudos para a próxima prova, ou na pesquisa que o professor determinou.
Julieta faz parte da legião de mulheres que está mudando a história. Acreditem: ela chegará à universidade e fará parte das pessoas capazes de mudar o mundo...
   Pois somente são capazes de mudar o mundo, aqueles que promovem mudanças em si mesmos.

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 3

Refúgio Poético – Cartas dos Leitores – Teste de Xadrez

Bailado
Valdeci Ferraz - Recife/PE

Você não sabe, mas eu faço parte da sua dança.
Cada movimento do seu corpo me traz uma lembrança.
Cada passo é um risco no chão da minha memória.
E cada gesto é o sinal para o início de uma história.

Você não vê, mas eu faço parte do seu bailado.
Faça chuva, faça sol, estou sempre ao seu lado.
Mesmo que a vida às vezes seja um tango triste,
dançar com você é a coisa mais bela que existe.

Eu sei que um dia, infelizmente, a dança vai terminar
e um de nós, no palco dessa vida, solitário há de ficar.
Por isso, enquanto não soa a última nota da canção

bailemos ao som da rumba, do samba, do tango, da salsa,
do coco de roda, baião, do xaxado, bolero ou da valsa.
Façamos da vida um bailado de amor num imenso salão.

******

Na chuva de pijama
Antônio Carlos Gomes – Guarujá/SP

Sairei na chuva
De pijama,
Para ver se o sonho
Me encontra.

Cansei de procurá-lo.

A lua não colabora
Estrelas não marimbam
Quem sabe:
A noite fria
Molhada
Carimbe o sofrimento?

Um vulto
A amada
Solta ao vento
Molhada,
Úmida como um beijo
Nunca encontrado
Venha existir.

Danço
De pijama
Na chuva
Ao relento...

...............................................

CARTAS DOS LEITORES

Amo o Humanitas! É um jornal pequeno, mas grande de ideias -  Clara Rodrigues  - Recife/PE
***
Meus parabéns! Que os articulistas. continuem a trazer para o Humanitas a cultura e a poesia. Luiz Silva Castro – Manaus/AM
***
Um jornal especial o Humanitas. Jorge Lima – Olinda/PE

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 4

Umoja: a vila no Quênia onde

não se permite a presença de homens

Francine Oliveira - articulista deste Humanitas - é Mestra em Teoria Literária e Crítica da Cultura. Atua em São João del Rei/MG

Localizada no norte do Quênia, a vila Umoja (que significa "unidade" na língua Swahili), foi fundada em 1990 por Rebecca Lolosoli, com o objetivo de ser um refúgio para mulheres que são vítimas de violência na região de Samburu, onde ainda ocorrem a mutilação genital e os casamentos forçados. 
O desenvolvimento da vila, na qual até hoje os homens são proibidos de viver, tem inspirado o surgimento de outras pequenas comunidades matriarcais que se opõem à tradição de subordinação e violência contra as mulheres quenianas. 
Lolosoli fundou Umoja juntamente com outras mulheres que haviam sofrido por conta da violência - as casas e cercas foram construídas por elas e são ainda as habitantes responsáveis por todo o trabalho de construção e manutenção do local.
Quando era criança, Lolosoli viu muitos atos de violência e com frequência se manifestava contra essa cultura de abuso à qual as mulheres são submetidas, o que certamente desagradava aos locais.
Ao ficar sabendo que soldados britânicos que treinavam na região estavam cometendo estupros, ela decidiu falar sobre isso na tentativa de ajudar as vítimas, o que a levou a ser espancada por um grupo de homens da vizinhança - e seu marido nada fez para protegê-la.
A vila - que começou como um abrigo - tornou-se um exemplo de comunidade matriarcal bem-sucedida. Uma vez que a área é seca, as habitantes procuram não depender apenas da criação de gado para sua subsistência, ganhando dinheiro também com a venda de seus adornos tradicionais, feitos de miçangas, e abrindo a vila para a visitação de turistas - por causa da internet, a história de Umoja se espalhou por todo o Mundo, atraindo viajantes.
Até hoje, o empreendimento desagrada a muitos homens da cultura Samburu, fazendo com que as mulheres tenham de se manter sempre em guarda, também para se proteger de maridos abandonados e com raiva que ocasionalmente aparecem - a própria vila é cercada por arame farpado e há um revezamento para vigiar o local dia e noite.
Segundo Lolosoli, no início, quando começaram a ir às estradas para chamar a atenção dos turistas para que comprassem suas joias, alguns homens as espancaram e roubaram seu dinheiro. 
A perseverança levou à independência financeira e as mulheres conseguiram construir uma escola que recebe também crianças de vilas próximas, além dos filhos das habitantes de Umoja.
Apesar de nenhum homem adulto ter permissão para viver no local, as mulheres podem manter relacionamentos, desde que seus parceiros concordem em se submeter às regras matriarcais.
As mulheres mais velhas ainda vão a outras comunidades para conversar sobre o casamento infantil e circuncisão feminina com as mais jovens.
Tudo isso para conscientizá-las e espalhar suas mensagens sobre o desejo de igualdade entre os gêneros. 
Seguindo o exemplo de Umoja, outras vilas matriarcais surgiram, como a Nachami, onde as mulheres ainda vivem com seus maridos, contudo, devido à pobreza, decidiram por adotar um novo sistema social por iniciativa das esposas.
O estabelecimento dessas pequenas comunidades nos faz pensar sobre como as tradições podem ser modificadas por iniciativa dos próprios membros de uma sociedade que estejam infelizes com sua posição.
A extrema violência que vitima mulheres em grande parte do continente africano, por vezes, é mantida sob a justificativa das tradições milenares, mas isso não significa que os costumes não possam ser mudados - sendo possível, em certos casos, até mesmo manter grande parte das crenças a guiar um povo.

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 5

Manual de americanalhice, ou seja,
para ser americano do Norte (2)

Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Mora em Valença/BA

É fundamental você ser, no mínimo, loiro – ruivo conta mais pontos – ter olhos azuis ou verdes, falar inglês (para isso você já decorou as falas das novelas e comuns no jornalismo do Sul Maravilha) e ser capaz de passar a vida comendo hot dogs, hamburgers, chikens fritos e batatas idem.
É bom já ir treinando a comer cereais e bacon frito pela manhã, é importante ainda saber fazer eggs mexidos; como também, comer e gostar desses maravilhosos, e únicos, pratos da variada culinária americana (dos Estados Unidos).
Lá chegando, não se meta com vadias, elas são fontes inesgotáveis de encrencas, a lei dos gringos costuma ser muito dura com quem se mete em encrencas, principalmente com os que desejam ser gringos também.
Comece a admirar, à distância, peitos grandes.
Esqueça que mulher tem bunda, americano (dos Estados Unidos) não gosta de bunda. O máximo que um gringo admite é traseiro, assim mesmo quase sempre para aplicar patadas ou beliscões.
É primordial aprender a transar de roupa, as gringas – pelo menos no cinema – não tiram a roupa para transar, na melhor das hipóteses, ficam de calcinha e sutiã.
Deduzo que chegam o fundo da calcinha para o lado (acho que é por isso que elas – as calcinhas – de tão folgadas, parecem mal confeccionadas). Agora como se dá a penetração, sem que o turkey cock fique esfolado, para mim, é um mistério...
Não me pergunte como, mas comece a entender as regras do beisebol e do futebol, porém nunca diga que este é americano.
Não esqueça que o único football que existe no mundo é o deles (no caso, já seu também), e esqueça o nosso, e dos ingleses, velho soccer.
Se o dinheiro der, aprenda a beber Jack Daniels, a só tomar beer quente e na lata ou na long neck, pelo gargalo diretamente.
E se quiser ter glamour, pratique com o Martini e não se esqueça da azeitona. É muito importante saber prepará-lo para os amigos...
Diga adeus à rústica picanha, passe a fazer churrascos em umas churrasqueirazinhas esféricas, de metal, donde saem deliciosos hamburgers chamuscados.
Como nessas alturas você já é um gringo autêntico e assumido, se encontrar algum outro americano (dos Estados Unidos) pela rua, coisa que, se supõe, não deve ser difícil, pergunte-lhe displicentemente, só para mostrar que você é mais autêntico que ele: O que você faz aqui, ô stranger?
E, para mostrar que não tem preconceito em relação às minorias, comece a comer chinaise food in box, macarronada in box, e... Pizza in box!
As pizzas têm a consistência de sola de sapato velho, mas são o máximo.
Eles entregam em sua home, desde que você não durma na calçada, e são muito econômicas.
Beautiful! Se você morar em New York, cuidado com a 46º street, você pode encontrar brasileiros.
Aquela rua está cheia deles, ser reconhecido pode significar que todo o seu esforço de americanizar-se irá para o brejo.

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 6



O médico do sexo oposto
Especial do Humanitas

O século XIX testemunhou a vida de um dos médicos mais famosos de sua época. Suas principais realizações estavam ligadas ao descobrimento do papel da higiene na medicina. Graças a isso, o nível de sobrevivência de seus pacientes disparou a números nunca antes vistos.
Ele indicou a relação entre tubulações sujas com material fecal e doenças, detendo assim a terrível expansão de cólera e lepra que assolavam o continente africano.
Foi o primeiro médico a realizar um parto cesariano bem-sucedido, no qual tanto a mãe quanto o bebê conseguiram sobreviver. 
Na Universidade de Edimburgo, na Escócia, esse médico se destacou como estudante e foi um dos poucos que se graduou na prestigiada escola de medicina.
Logo a seguir, ele começou a trabalhar como voluntário, tendo aulas dia e noite para se tornar um cirurgião. 
Quando terminou os estudos, James Miranda Barry entrou na equipe de cirurgiões do exército e trabalhou em diferentes países que até então eram colônias do Império Britânico. Jamaica, Índia, Crimeia, África do Sul, entre outros, são alguns dos lugares onde ele foi e adquiriu fama graças ao seu trabalho excelente como médico.
Criou hospitais em lugares onde não havia nenhum e freou a expansão do cólera devido à falta de higiene, realizando diversas cirurgias bem-sucedidas.
Ele chegou a obter a patente mais alta que um médico militar pode obter: Inspetor Geral de Hospitais, além de ser amigo próximo do governador Charles Somerset.
Mas nada disso importou quando se descobriu a verdade sobre a sua vida, já que, quando a enfermeira que preparava o funeral levantou o lençol que o cobria, descobriu o inimaginável: James Miranda Barry, o famoso médico da armada britânica, era uma mulher! 
O outro lado dessa história diz que o nome real de James Barry era Margaret Ann Bulkley, uma menina nascida em 1789, em County Cork, na Irlanda.
Seu tio, James Barry (daí vem o nome) e seu amigo próximo, o político e general revolucionário venezuelano Francisco Miranda, acreditavam na aptidão de Margaret para ser médica. Porém, como naquele tempo as mulheres eram proibidas de estudar medicina, ambos criaram um plano maluco: eles a fariam se passar por homem.
Seu tio lhe deu o nome, e Francisco Miranda prometeu que, quando ela terminasse seus estudos, a levaria para a Venezuela, onde poderia exercer sua profissão livremente como mulher.
Infelizmente, Miranda foi preso pelos espanhóis em Cádiz e morreu pouco depois. A partir de então, Margaret Ann Bulkley teve que ocultar sua identidade verdadeira para sempre. Margaret tomou a decisão de juntar-se ao exército e ir para outros países para não ser descoberta em sua terra natal.
No estrangeiro, ela conseguiu esconder que era mulher, ainda que tenha se metido em problemas para manter seu personagem, como um duelo de pistolas contra alguém que ousou duvidar de sua "masculinidade".
Na verdade, existiam rumores que ela mantinha uma relação sexual com o governador Charles Somerset, cuja vida política terminou sendo arruinada por causa disso. 
O escândalo do descobrimento da verdadeira sexualidade do aclamado cirurgião ofuscou os sucessos que essa mulher incrível alcançou na área da medicina. Tudo graças à sua capacidade de compreender a importância da higiene e esterilização nessa área de atuação.  
Em 1864, ela voltou à Inglaterra por causa de sua saúde ruim e morreu pouco tempo depois no ano de 1865.
Hoje, este Humanitas resgata o seu legado: Margaret Ann Bulkley (ou James Barry) foi a primeira médica na Grã-Bretanha. Graças à sua coragem, alcançamos avanços muito valiosos para a medicina moderna. Sua determinação, habilidade, força e inteligência não devem ser esquecidas. 
   Sua habilidade de disfarçar era tanta que dizem que ela escondeu uma gravidez (não se sabe de quem) e se encarregou sozinha de dar à luz e realizar todos os cuidados médicos de que necessitava.

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 7


O pobre de direita é um figurante de burguês
Texto de José Menezes Gomes - professor de Economia e de Mestrado em Serviço Social da UFAL

O pobre de direita se acha liberal mesmo não tendo capital e propriedade.
Ele é contra os direitos trabalhistas, pois espera um dia ter capital e propriedade para ser um explorador da força de trabalho dos outros.
Ele é contra os direitos sociais, pois acha que isto irá reduzir os seus lucros futuros, quando ele for capitalista e puder explorar os trabalhadores, sendo que ele é trabalhador, mas não se reconhece como tal.
Ele é contra o Estado, pois acha que quando ele tiver capital e propriedades não vai querer que o Estado estabeleça limites ao seu desejo de ficar rico explorando os trabalhadores.
O pobre de direita é o produto melhor elaborado pelos mecanismos de produção de ideologia burguesa para a defesa dos burgueses que têm capital, que têm propriedade e que estão na gestão do Estado para não pagar impostos, para receber subsídios e incentivos fiscais, para ganhar dinheiro comprando títulos da dívida pública e terem o controle dos meios de comunicação de forma a propor o mundo dos ricos como o objeto a ser defendido mesmo que a riqueza da burguesia fosse fruto da exploração dos também pobres de direita.
Ele passa a vida toda sonhando ser burguês, mas sem capital e propriedade e sendo explorado.
Entretanto, ele é muito útil para a burguesia, pois já que não tem nem capital, nem propriedade capitalista ele se torna o cão de guarda da classe que um dia sonha ser.
Sendo assim, ele vai para as ruas defender o capitalismo e vê nos trabalhadores esclarecidos e organizados os seus inimigos de classe. O pobre de direita além de ser um figurante de burguês é terreno fértil para o fascismo.
Portanto, o pobre de direita é um figurante de burguês que no momento de crise do capitalismo se comporta como um pitbull da burguesia na defesa de um governo de conteúdo fascista. Como o pobre de direita tenta ser o espelho dos valores que ele acha que a burguesia tem, passa a ser machista, racista, homofóbico etc.
Ele acaba sendo o portador dos principais preconceitos que a burguesia gerou e perpetuou como parte do seu sistema de dominação, porque precisa do racismo para pagar bem menos aos seus trabalhadores afrodescendentes.
Ser machista por que os salários das mulheres é bem menor que os salários dos homens. Enfim, ele nega sua origem social e tenta ter o que não tem, pois se trata de um trabalhador sem consciência de classe.
Por isso se endivida para ter uma imagem diferente do seu real poder de compra.
São chamados de emergentes porque querem negar sua classe, assumindo a aparência de burguês.
Ele come sardinha e arrota caviar, enquanto late sempre mais alto para mostrar à burguesia que está protegendo a propriedade do burguês, enquanto dorme fora da mansão que sonha um dia ser sua. Ao envelhecer não vai ter emprego e muito menos vai poder pagar um plano de saúde.
Dessa forma vai precisar de proteção social, porém passou a vida toda defendendo que bastava deixar a mão invisível do mercado agir, que o egoísmo sendo potencializado se chegaria ao bem-estar coletivo, onde todos teriam chance de um dia ser rico, bastando apenas seu esforço individual e sua capacidade de assumir riscos.
O pobre de direita é um figurante de burguês que late como pitbull e se cala sobre sua própria exploração.

HUMANITAS Nº 69 – MARÇO DE 2018 – PÁGINA 8

Em Recife ou no Recife? De Recife ou do Recife?
Urariano Mota é escritor e jornalista. Autor do romance "O filho renegado de Deus"

Texto extraído de jornalggn.com.br/blog/urariano

Em recente discussão no Facebook, vi que não é pacífico o gênero do nome da nossa cidade. Daí que vale a pena retomar um trecho do Dicionário Amoroso do Recife, que publiquei em 2014.
​O nome “recife” é sinônimo de “arrecife” nos dicionários. O batismo da cidade veio desses muros aflorados por milênios na costa pernambucana: arrecife ou recife. O nome é masculino desde a origem.
No entanto, sei por experiência que devemos sair da visão etimológica, porque ela se esvai nos costumes dos dias presentes.
Imaginem o que seria a comunicação se conversássemos usando palavras no significado etimológico. Cairíamos numa comédia do diálogo entre um homem do século XVI com outro do século XXI.
Penso que devemos partir do histórico mais perto do presente. Melhor, devemos vir do histórico que se fez civilização, dos poetas e escritores que falaram e falam da cidade no gênero que ficou, por força da arte e do pensamento.
Pois não é próprio e legítimo estabelecer pontes entre o gênero prático e o gênio poético?
Assim, desde o título Evocação do Recife, Manuel Bandeira canta a cidade no masculino em um dos seus máximos poemas.
Também Carlos Pena Filho nos conduz no Guia Prático da cidade do Recife. E assim o masculino da cidade aparece em João Cabral de Melo Neto.
Mais: poderíamos citar todos os grandes poetas de Pernambuco, que sempre se referem à cidade no masculino.
Além de João Cabral, Manuel Bandeira e Carlos Pena Filho, as citações iriam de Ascenso Ferreira e Joaquim Cardozo a Mauro Mota e Alberto da Cunha Melo. Com direito à passagem, é claro, pela tradição pernambucana, que atende pelo nome de Gilberto Freyre: "O recifense diz ‘Chegar ao Recife’,Vir para o Recife’,Sair do Recife’, ‘Voar sobre o Recife’".
E Gilberto Freyre, com a graça de sempre, afirmava que somente a gente de fora se referia à cidade sem o artigo masculino.
Se saímos da tradição literária da cidade, temos a graça de ouvir na música popular o compositor e cronista Antônio Maria. Ele canta e encanta até hoje com “sou do Recife com orgulho e com saudade”, e mais: “que adianta se o Recife está longe, e a saudade é tão grande que eu até me embaraço”.
Como esquecê-lo ou negá-lo?
Falar ou dizer dE Recife, Em Recife, ou Recife sem o artigo masculino antes, é o mesmo que renegar as mais belas vozes da cidade, e assim desprezar o excelente, que é o modo mais vil de ignorância.
No entanto, a mídia do Sul e Sudeste algumas vezes claudica no gênero da cidade. E mais sério, acha que escrever Em Recife ou nO Recife é uma questão menor.
Os seus consultores de língua portuguesa, se interrogados sobre o uso correto, respondem que tanto faz, quando de modo mais claro responderiam: para a importância periférica do lugar, tanto faz escrever dE Recife ou dO Recife.
O que vale dizer: seria o mesmo que exigir correção diante de um nome tupi conforme as regras da fala dos índios.
Já houve até gramáticos, como Napoleão Mendes de Almeida, que tiveram a pretensão de nos ensinar a falar o nome da nossa cidade. Ensinar tupi aos tupis? Pois assim nos ensina o senhor Napoleão:
“Ao chamar hoje Recife de ‘o Recife’, não há tradição. A tradição é a que por nós foi testemunhada quando aí estivemos. Veja-se para confirmação, a fotografia que se encontra na página 51 do Guia prático, histórico e sentimental de Recife, de Gilberto Freyre...”.   
Ato falho! O sabido Napoleão alterou o nome do livro de Gilberto Freyre, que é Guia Prático, Histórico e Sentimental dO Recife.
O certo é que tanto na mídia do Sudeste quanto na aula de tupi para tupis de Napoleão residem um desconhecimento soberbo, à beira da soberba, do que entendem como a tradição dos periféricos.
Em resumo, podemos falar que o Recife é fêmea, como fêmeas são todas as cidades. Mas o Recife masculino veio do seu útero.
Toda a cidade do Recife é um abrigo, residência, identidade, modo de ser e origem do seu útero fecundado. Por isso dizemos nO Recife, dO Recife, O Recife. O que significa: o amor mais fundo pelo útero desta cidade.