domingo, 29 de abril de 2018

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PRIMEIRA PÁGINA



O BOTECO É UMA VÁLVULA DE ESCAPE
PARA OS RECALQUES HUMANOS

O jornalista Rafael Rocha disserta na PÁGINA 8
sobre a utilidade dos botecos como
divãs de analistas. Ele assinala na sua crônica
que o boteco serve como uma válvula de escape
para os recalques humanos, sendo o lugar
mais conveniente para falar de coisas
que não podem ser ditas em casa.
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O Especial do Humanitas, na PÁGINA 4, pergunta
se realmente  existe algo para festejar
no Dia do Trabalho
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Na PÁGINA 7, a jornalista Ana Maria Leandro,
Belo Horizonte/MG,
pergunta quando foi que começou
a “Guerra contra a Educação”
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O articulista Araken Vaz Galvão prossegue
com o seu manual
de americanalhice na PÁGINA 5

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PÁGINA 2

   EDITORIAL




A ESPÉCIE HUMANA

A espécie humana não admite a paz. Para ela, a estabilidade jamais será admitida, porque representa falta de movimento. Na verdade, a espécie humana faz parte de uma natureza em convulsão e ebulição. É o vulcão que explode e que no rio de magma destrói tudo para depois reconstruir.
Para o filósofo Thomas Hobbes a sociedade inata do homem é uma estupidez. De acordo com ele, o estado de natureza é o estado de guerra de todos contra todos, onde "a vida do homem é solitária, pobre, asquerosa, brutal, curta" (Leviatã Cap. XIII).
Em relação à espécie humana, temos de levar em conta a sua capacidade de realizar grandes transformações no ambiente em que vive.
Tais transformações acontecem para aumentar o poder de sobrevivência, suprindo necessidades como alimentação (cultivo de alimentos e a criação de animais), moradia, transporte e produção de energia. O grau de cultura de cada povo e suas capacidades de raciocínio e de comunicação contribuem para isso.
A espécie humana pode habitar qualquer região do planeta porque possui alta capacidade de adaptação, conseguindo explorar e modificar os recursos disponíveis, utilizando os seus conhecimentos acumulados.
Tudo porque a cultura humana consiste na soma dos conhecimentos, experiências e criações de cada povo, aprendidos e acumulados ao longo do tempo, os quais são propagados e modificados de acordo com os recursos disponíveis.
Pelo que vemos, as sociedades se estruturaram, desde eras antigas, de modo a beneficiar alguns em prol de outros (eis porque, desde o início, os homens escravizam outros homens e também os animais).
Esta é a origem da exploração e das desigualdades.
É assim que a espécie humana vive, usufruindo de outras vidas, aprendendo a fechar os olhos para a crueldade e para a tirania, como se elas fossem naturais em nós, quando elas são a principal doença que afeta nossa espécie.
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LULA E O INCONSCIENTE COLETIVO
Antonio Carlos Gomes – Médico- Guarujá/SP

Estava folheando Carl Jung por curiosidade. Queria saber como ele explicava o “inconsciente coletivo”. Muito interessante. Dizia ele que uma memória genética, instintiva, agia como corpo estranho para além do inconsciente e muitas vezes nos obrigava a atitudes ilógicas e desconexas que refletiam as antigas experiências da espécie e da vida.
No mesmo dia estava montado o julgamento de Lula. Como considero que somos frutos de uma mitose complexa, já que a natureza não muda os métodos, apenas aperfeiçoa, esta explicação instintiva além de me satisfazer levou a pensar:
“- Como um homem que retirou trinta e dois milhões da miséria pode ser condenado por um imóvel que não tem as chaves, a escritura e nunca ocupou? Como religiosos evangélicos fizeram correntes de oração para condenar um homem, que considero justo, sem nenhuma prova? O que leva um chefe de família no qual a casa onde habita foi comprada por quantia irrisória, apesar do protesto dos bancos, agora comemorar a condenação sem provas e atacar quem realmente lutou para que a sua família tivesse um teto?”
Para os cristãos, o seu líder maior Jesus Cristo pregava a “Boa Nova” que era semelhante à igualdade pregada pelo Governo Lula.
É exatamente aí que está a metáfora. Cristo, um líder religioso pregava a paz. O mesmo que Lula fazia politicamente sem evocar nenhum deus. Cristo nunca foi contra a classe dominante, apesar de seu povo estar submetido ao Império Romano. Com Lula, os empresários tiveram aumento do lucro em seu governo.
Cristo multiplicou o pão e o peixe para as populações famintas, Lula aperfeiçoou a distribuição de renda com o Bolsa Família. Cristo curou os enfermos, Lula fez a farmácia Popular, criou o Mais Médicos.
Cristo foi traído por trinta moedas, devia valer muito na época. Lula foi traído pelo Capital.
Por trás da condenação de Cristo estavam os Rabinos que se aliavam ao invasor.
Igualmente contra Lula aliaram-se religiosos, que pregam muito mais o Velho Testamento do que a “Boa Nova de Cristo”,
O povo de Israel foi dispersado pela Europa e Oriente, vagando sem pátria por quase dois mil anos. O povo brasileiro está condenado matematicamente à fome, já que as riquezas do País estão sendo sucateadas e vendidas aos neoliberais.
Pensando bem, Carl Jung tem uma certa dose de razão. Espero que a Nação continue e não se desfaça em loteamentos capitalistas.

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PÁGINA 3

REFÚGIO POÉTICO – CARTAS DOS LEITORES – TESTE DE XADREZ

Noite de delícias ao relento
Antonio Carlos Gomes
Guarujá/SP

Noites de delícias ao relento,
Rostos colados, amor, alento,
Vida alegre em noites de euforia
Oxalá não se acabe com o dia.

Noites de delícias ao relento,
Cabelos esvoaçados co’o vento,
Em sonhos doces, alegorias
Nos beijos profundos, na poesia.

Noites de delícias ao relento,
Mil estrelas lá no firmamento
Cá na terra o coração batia
Em frenesi... Expectativa... Alegria...

Noites de delicias ao relento,
Em dois corpos um só intento
De prazer, amor sonhos e poesia
Noites de delícia  alegria.

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Por trás do espelho
Talis Andrade – Recife/PE

Há muito tempo
me fragmento
por trás do espelho

Há muito tempo
não me animo
sair para rua

O isolamento vicia

Há muito tempo
se aparecesse
uma companhia
não saberia
compartir
os espaços
do dia

Há muito tempo
o tormento
de um isolamento
que nenhum deus vigia
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CARTAS DOS LEITORES

Escritos relacionados à verdade e ao pensamento livre. Textos bem produzidos. Articulistas de primeira linha. Assim é o HUMANITAS. Gosto muito deste pequeno grande jornal. Maria do Carmo Correia de Araújo – Recife/PE
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Daqui de Manaus elogio esta publicação que considero de alto teor literário. Josué Pedrosa – Manaus/AM
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Há muitos anos que não ficava tão satisfeito com um espaço jornalístico de tal categoria. Espero que o HUMANITAS dure por muitos anos. Dominica de Assis Costa – João Pessoa/PB

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PÁGINA 4

TRABALHAR ENOBRECE O HOMEM?
Especial do Humanitas

Em todos os recantos do mundo, no dia 1º de maio, é comemorado o Dia do Trabalho, ou mais especificamente, o Dia do Trabalhador.
Será que realmente existe algo para festejar?
A máxima mais antiga sustentada pelas elites dominantes é a de que o trabalho enobrece o homem. Essa deve ter sido a primeira campanha de publicidade feita pela mídia.
Seu objetivo primordial era o de fazer as pessoas comprarem a ideia de trabalhar para enobrecer a própria vida, quando na verdade serve para enriquecer os patrões.
A palavra trabalho vem do latim tripalium”, que significa castigo. E é bem pertinente, pois muitas pessoas consideram o trabalho uma verdadeira tortura diária. O “tripalium” do latim era uma espécie de estaca fincada no chão e que servia de tronco para o castigo dos escravos da Idade Média.
No latim clássico, a principal palavra que designava trabalho era “labor”. Antes de tudo, significava apenas fadiga que advém do trabalho.
Com o tempo, a parte passou a representar o todo. Em sentido figurado, era usado para doença, desgraça e dor. Em grego, a palavra mais próxima de trabalho era “pónos”.
O significado: pena, sofrimento, fadiga.
Em japonês, “arubaito” se referia apenas a trabalho temporário. Mais tarde, os “dekasseguis”, ou estrangeiros que foram trabalhar no Japão, associaram a palavra a três K: “kitsui” (penoso), “kitanai” (sujo) e “kiken” (perigoso).
Em alemão, o vocábulo a designar trabalho é “arbeit”, que tem relação com um antigo verbo germânico que designava as pesadas atividades físicas que as crianças órfãs tinham de fazer para sobreviver.
Ao longo do tempo parece que poucas mudanças aconteceram. Aqueles que detinham mais poder acabaram forçando outras pessoas, principalmente as menos favorecidas, a realizarem o trabalho mais pesado.
Dessa forma, o trabalho não era visto como algo digno, ficando relegado àqueles considerados inferiores na sociedade.
Foi Martinho Lutero, com a reforma religiosa ou criação do protestantismo, que retirou do termo trabalho as conotações pejorativas, dando-lhe um significado positivo e útil. Segundo ele, “o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida.”
Ele entendia a ética do trabalho como uma obra altamente moral, que servia para melhorar a qualidade de vida da pessoa e transformar a sociedade.
A partir de Lutero, o trabalho tornou-se um dever que beneficiava indivíduo e sociedade como um todo.
No entanto, de acordo com Karl Marx, no sistema atual o trabalhador produz bens que não lhe pertencem e cujo destino, depois de prontos, escapa ao seu controle.
O trabalhador, assim, não pode se reconhecer no produto de seu trabalho; não há a percepção daquilo que ele criou como fruto de suas capacidades físicas e mentais, pois se trata de algo que ao trabalhador não terá utilidade alguma.
A criação (o produto) se apresenta diante do mesmo como algo estranho, e não como o resultado normal de sua atividade e do seu poder de modificar livremente a natureza.
Assim sendo, se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador e de certa forma, o trabalhador se defronta com o mesmo de uma forma estranha, isso somente ocorre porque tal produto pertence a outro homem que não é o trabalhador.
Em termos simples quem se apropria da maior parte do fruto e do trabalho operário? Marx responde: O capitalista! O proprietário dos meios de produção!”
Eis o que diz Marx: “O trabalhador só é ele próprio quando não trabalha. No seu trabalho sente-se fora de si próprio. O seu trabalho não é voluntário, mas forçado. Não é a satisfação de uma necessidade, mas somente uma forma de gratificar a necessidade de outrem”.
Trabalho significa acumulação de capital pelo patrão. É a organização do poder de classe, a estrutura da sociedade capitalista moderna.
Segundo o economista e político português Francisco Louçã, “a enorme expansão do trabalho ao longo destes dois séculos é subjugada pelo crescimento do mundo das mercadorias, ou porque é que o trabalho, que tudo produz, ainda é nada”. 
   O que o trabalhador festeja então nessa data?

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PÁGINA 5

MANUAL DE AMERICANALHICE, OU SEJA,
PARA SER AMERICANO DO NORTE (3)
Araken Vaz Galvão é escritor e membro da Academia de Artes do Recôncavo. Mora em Valença/BA

Caso você não tenha encontrado os primeiros capítulos da novela da Globo (em Valadares são vendidas cópias piratas em todas as esquinas) e, ademais, ainda não saiba inglês suficiente para entender a pronúncia impecável dos atores daquela rede de TIVI que citamos, damos as principais frases que um americano (dos Estados Unidos) precisa para se fazer entender, devidamente traduzidas, para que você saiba o que está falando no momento oportuno.
São elas: “Macacos me mordam!” “Você vai precisar de um plano”. “Bom menino (menina)”. “Você vai (não vai) conseguir”. “Estou querendo dizer que...” “Acho que você precisa de ajuda”. “Eu posso explicar tudo”. “Me dê uma razão para eu fazer isso por você”. “Você está querendo dizer que...” “Fique fora disso”. “Não há nada de errado comigo”. “O que faz você pensar isso?” “Alguém precisa fazer alguma coisa.”
A palavra chave do inglês, dos Estados Unidos, é “chance”.
Pelo menos nos filmes eles estão sempre dando ou pedindo uma segunda, o que se subentende que já deram a primeira.
Porém, isso não significa que eles lhe vão dar uma única de ser um americano WASP.
Outra palavra também muito importante, quase mágica é “especial”.
Uma pessoa não é importante, é especial. Não é marcante, é especial. Até as pessoas ordinárias são especiais. Porém, tenha cuidado, ordinário lá é comum.
Não se esqueça que trabalho é algo nobre lá, tanto é assim que a frase que você mais irá ouvir é: I’m doing my job”, cuidado com os seus vícios nacionais. Eles acham que preguiça e indolência são coisas de latino.
Lá não existe maré mansa para os americanos (dos Estados Unidos) neófitos; por isso, por mais desagradável que seja o seu labour”, é muito importante você esclarecer, logo e antes, que está fazendo o seu business”, que aquele é o seu negócio, mesmo se você estiver estrangulando alguém (principalmente, se estiver) diga logo que é o seu trabalho, ou seja, repita a frase acima: I’m doing my job”.
No caso da police” aparecer com todo aquele aparato que você vê no movie” – mil carrões, sirenes, centenas de revólveres, carabinas com mira telescópicas e escopetas apontadas pra você – não se avexe, diga, para mostrar que está de mau-humor: “estou fazendo o meu maldito trabalho”.
Perdão, não o faça em português, diga: I’m doing my damned job”.
Ou então, se quiser ser lacônico, olhe-os com ar de man muito ocupado, que não pode perder tempo e diga, levantando os ombros e fazendo beiço, apenas: my busines”.
Só isso. Eles, os policiais, pedem desculpas e vão embora. Juro que vão!
Pode até aparecer algum tira” mais curioso, que pergunte qual o seu truque para estrangular tão bem.
Agora...
Se você quiser viver todas aquelas emoções que você vivia vendo TIVI, é só escolher um policial, que é – quase sempre – um negro...
Perdão, perdão... Um afro-americano!
E dizer-lhe, só para radicalizar, entre dentes, quase cuspindo a frase: “fuck you niger!”
Vai ser a última coisa que você dirá entre dentes...
Perdê-los-á todos.
Logo a seguir, você ouvirá aquelas frases que fizeram a sua cabeça, levando-o a desejar ser americano (dos Estados Unidos), lembra-se delas?
“Você tem todo o direito de permanecer calado, qualquer coisa que disser poderá ser usada contra você... etc., etc., etc.”...
Aí, então, você será algemado, o policial o conduzirá delicadamente até a viatura, colocará a mão sobre sua cabeça, para que você não se machuque ao entrar.
Depois, o levará para passear em um daqueles carrões que você sempre sonhou passear um dia.
Assim, um dos seus sonhos, nesse momento, já terá se realizado.
Tudo se desenrolará igualzinho ao cinema, com uma única exceção:
“Se eles descobrirem que você é latino disfarçado de gringo...”
Aí eles fazem como qualquer polícia daqui e do mundo faz: “enchem-lhe de porrada!”
E não tem emenda da Constituição deles que te salve...
É porrada da grossa mesmo!

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PÁGINA 6

DEFENDER LULA NÃO É COISA DE PETISTA

NEM DE ESQUERDISTA, É SER JUSTO

Especial do Humanitas
Luiz Gonzaga Belluzzo é doutor em economia pela Unicamp e fundador da Faculdade De Campinas (Facamp)
Texto extraído de: www.cartamaior.com.br

Defender Lula não é coisa de petista, nem de “esquerdista”.
Defender Lula é atitude de gente sensata, gente que sabe que o que está em jogo não é corrupção, apartamento triplex, sítio, pedalinho, nada disso.
O que está em jogo é o sistema democrático brasileiro.
O que está em jogo é a falência do sistema judiciário brasileiro que se tornou partidário e tão ou mais corrupto que o sistema político.
O que está em jogo é a imagem do Brasil perante o mundo porque nem mesmo os que acusam Lula estão convictos de que haja provas de corrupção do ex-presidente.
Vamos ser honestos, o processo é político e tem por objetivo tirar a maior liderança mundial da esquerda das eleições num país que vive um golpe de Estado, um golpe que tirou do poder uma mulher honesta, uma mulher nunca acusada, julgada e condenada por corrupção.
Sejamos honestos, o crime de Lula foi gerar ódio nessa elite que jamais aceitou que um torneiro mecânico, operário, nordestino e sem diploma tenha se tornado respeitado mundialmente, uma espécie de Nelson Mandela brasileiro, só que no combate à fome.
Sejamos honestos, os que defendem a sua prisão são os mais corruptos.
São os comprovadamente corruptos, homens sem amor ao povo brasileiro.
Homens que por dinheiro venderiam até a alma, quem dirá vender a riqueza nacional como estão a vender.
Defender Lula é hoje um dever de qualquer patriota, qualquer democrata, independente de partidarismo.
Defender Lula é defender o Brasil e o que resta de dignidade nesse país. Lula não roubou, não recebeu dinheiro, não teve conta secreta descoberta na Suíça, nem dólares em paraísos fiscais.
Não caiu em áudio mandando matar, nem teve malas com milhões de reais com suas digitais.
Lula elevou a condição de vida de milhões de brasileiros.
Provou que um homem de origem pobre e humilde pode ser Presidente e mais, pode ser o maior Presidente da história.
Por isso a elite brasileira com seu complexo de inferioridade, com seu complexo de vira-latas jamais o perdoará.
O crime de Lula, na verdade, foi comandar um governo voltado para os mais pobres, um governo mais popular e independente, soberano e isso, amigos e amigas, jamais será aceito pela Casa Grande.
Defender Lula é defender a história, é defender a justiça, pois um homem respeitado no mundo todo não merece nos seus 72 anos de idade ser preso, condenado por um crime que não cometeu.
Lula merece o apoio de todo o povo a quem ele tanto dedicou sua vida.

HUMANITAS Nº 71 – MAIO DE 2018 – PÁGINA 7

EDUCAÇÃO ARMADA – O ÚLTIMO TIRO
Ana Leandro – colaboradora do Humanitas -  é escritora e jornalista. Atua em Belo Horizonte/MG

Fico às vezes me perguntando, quando foi que a “Guerra Contra a Educação” começou? Lembro da minha infância humilde, mas ir para a escola era algo tão natural como fazer refeição diariamente.
Meus pais que iniciaram uma vida conjugal com baixos níveis de escolaridade levaram, entretanto, seis filhos à plena educação, tanto familiar quanto acadêmica. Sempre cito a pitoresca fala de minha mãe que dizia como uma ameaça: “quem não quiser estudar vai puxar carroça quando ficar adulto”.
Bem, a profecia não tinha como se confirmar, pois já no início de nossa idade adulta, não mais existiam carroças para puxar. Pouquíssimas, aqui e ali no interior e quase nenhuma nas grandes cidades.
Talvez possamos dizer “ainda bem”. Mas não! Infelizmente nem tudo que sobreveio foi melhor, porque hoje quando uma mãe quer mostrar ao filho que precisa estudar para ter um bom emprego e futuro, a alternativa não é mais “vai puxar carroça”. Essas não existem.
Mas “formas de ganhar dinheiro” através de drogas e “formação de quadrilhas” não exigem assento nas carteiras escolares, nem diploma, nem tempo demais para render.
Só que uma “boa educação familiar” era a base para que não havendo carroças escolhêssemos “estudo e trabalho”.
O fato é que minha geração não resistia tanto à escola. Ao contrário: fazíamos amigos, formávamos equipes de trabalho para atividades físicas, em classe ou extraclasse.
As formaturas eram verdadeiros eventos em que nós, orgulhosos, desfilávamos de togas e chapéus. Diretores (as) e professores (as) eram espécies de “Reis e Rainhas” na nossa vida, respeitávamos como grandes autoridades, donos de uma sabedoria que admirávamos.
É verdade que passávamos apertos com provas e trabalhos, disputávamos entre colegas quem atingiria maior pontuação. De vez em quando fazíamos traquinagens não aceitáveis e por isto levávamos castigos: “de pé e de costas na parede até ser autorizado a sair”; “assentado nesta cadeira isolada da turma, para você pensar sobre o que fez” etc.
Ai do professor que hoje der tais ordens! Responderá no Conselho Tutelar ou até mesmo na justiça comum por intransigência ou “abuso de autoridade”.
Pergunto: quem são os “grandes perdedores” nesta história? Ir para a cadeia pública, ou viver esmolando uma sobrevida é melhor do que os castigos escolares?
Uma juventude hoje perdida num caos onde todo mundo manda e ninguém obedece é o resultado de deixá-los fazer o que quiserem, sem controle e sem limitações.
Em que momento começou essa guerra?
Eu tenho até hoje memórias de meus professores, como “heróis” que me abriram os caminhos da vida!
Meus pais eram rigorosos, quanto a dar apoio a eles; qualquer reclamação quanto a qualquer professor(a) que fazíamos, mamãe retrucava energicamente: “ele é que sabe o que VOCÊ precisa aprender. Você é que precisa dele e não o contrário. Portanto cale-se e obedeça as decisões dele”.
E “ponto final”.
Levávamos outro castigo em casa. Sou psicóloga na área educacional, sei que o processo educacional tem que se abrir cada vez mais para o diálogo. Mas não para a transferência de responsabilidades.
Mudou-se da palmatória (que eu abomino) para o totalitarismo do aprendiz!
Alunos se dirigem e respondem a professores como a qualquer moleque de rua; usam de palavrões para atacá-los, e por inúmeras vezes já se chegou à agressão verbal e física.
E pasmem: já são inúmeros os registros de assassinatos de professores por alunos!
Para coroar essa guerra, eis que o presidente dos EUA, país referenciado como potência mundial, resolve que se deve “armar alunos, professores e funcionários” das Instituições de Ensino.
A “guerra está declarada”! O “último tiro” da fase em que “escola“ era um lugar que foi feito para se ir “aprender” pode virar agora um grande “campo de guerra”. Todos armados!
Justifica-se que é “autodefesa”. Estamos mesmo em um campo de guerra e o “normal” num lugar onde se vai para aprender “a valorizar a vida”, é mesmo colocar a mesma em jogo?
Isso...
Quem for o mais esperto, naturalmente atira primeiro!
Há poucos dias eu sugeri em um de meus escritos: “E se transformássemos todos os quartéis em escolas?”
Irônicamente, poucos dias depois vejo a notícia de que não, as escolas podem vir a ser “uma das nossas forças armadas”!...